quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

A Saúde não é cor-de-rosa

Era um absurdo a discussão que seguia na Câmara Municipal de determinada cidade do interior paulista. Os nobres vereadores debatiam com o Secretário de Saúde a cor que deveria ser utilizada na pintura da sede do órgão mencionado. Durante vários dias seguiu-se um debate ferrenho que chamou a atenção da população carente, que esperava horas, dias, semanas e até meses para uma simples consulta com o médico local. Como poderiam debater a cor da tinta que seria utilizada na pintura de uma pequena casa enquanto a estrutura funcional da Secretaria da Saúde agonizava sem que os nobres vereadores tomassem ciência do caos em que se transformara tal entidade? Havia alguns que preferiam a cor verde, outros, a cor azul e outros se isentavam e apenas acompanhavam as absurdas preferências esperando a conclusão do embate.
Porém, um dos poucos médicos que prestava serviço à população, sabendo da ignomínia que esses senhores expunham o município, decidiu intervir. Resolveu participar de uma convocação, vereador como era, para ajudar a elucidar essa questão. Quando soube que a pauta da convocação era exatamente para tratar de tal assunto, outra vez ficou indignado. O seu tino profissional não podia admitir que seus companheiros na Câmara Municipal perdessem tanto tempo com causas tão infantis e que desperdiçassem o erário, se reunindo para discussões tolas, idiotas, enganadoras e até mesmo politicas como essa. Ao ouvir a explanação do presidente da Câmara sobre a razão que os levaram a discutir o assunto, corou de vergonha.
Pelo nome da cidade ser Vitória Régia, alguns dos vereadores acharam por bem que a partir daquele ano, os prédios públicos municipais fossem todos pintados com a cor predominantemente verde. Outros no entanto, de partidos contrários ao do vereador que fez a proposta, os chamados opositores do governo, preferiam a cor azul e dessa maneira, surgiu a controversa. Aberta a sessão, o indignado médico não deu nenhuma chance para debate e imediatamente tomou a palavra. Subiu na pequena e modesta tribuna de onde eram feitos os discursos e expõe o seu ponto de vista. Disse ele: “Sei que os senhores sabem que embora eu seja membro assíduo desta casa, não considero ser a a nossa função de somenos. Como sabem, além de exercer a função como vereador deste município, zelando pelos interesses tanto dos cidadãos como da própria cidade, embora vinculado a um partido político, não legislo baseado em seus estatutos e sim em minha própria consciência.
Médico como sou, defendo uma estrutura de trabalho mais moderna e aperfeiçoada para um melhor desempenho do meu serviço e melhor qualidade de atendimento aos pacientes. Lutei e ainda estou lutando para que a saúde, não apenas em nossa cidade, mas, de maneira geral em todo o país, alcance índices satisfatórios mínimos de qualidade no atendimento. Sei que verbas oriundas do governo federal são destinadas a essa área tão carente, porém, quando chegam ao destinatário final, grande quantia já se perdeu pelos labirintos da corrupção, que infelizmente, já chegou em nossa cidade alcançando médicos, empresários e políticos que colaboram para o seu desenvolvimento. Me vejo novamente dando murros em ponta de faca. A discussão que agora se inicia, dá-me quase a certeza de que estou lutando em vão.
Como é possível imaginar, e quem me dera realmente fosse apenas fruto da minha fértil imaginação, que os nobres companheiros se reunissem para decidirem sobre a cor de tinta a ser utilizada para pintura de um prédio enquanto pacientes morrem a míngua em filas sem atendimento adequado e necessário? Como dizem, de médico e de louco todo mundo tem um pouco! Acredito que a minha cota de loucura assim como a dos senhores, chegou ao seu ápice com essa questão. É inadmissível tal discussão se problemas primordiais continuam ao descaso. É inadmissível que nosso município não tenha sequer um mamógrafo. Porquê não discutir esse assunto? O hospital está sucateado, os equipamentos estão ultrapassados e muitos quebrados, medicamentos, macas, cadeiras de rodas, tudo em falta e nós reunidos para discutir cor de pintura em prédio!
Senhores, a saúde não está uma maravilha ou cor-de-rosa para que fiquemos discutindo banalidades, pelo contrário, a situação está escura, sem luz no final do túnel. Diante disso, o que os senhores querem discutir?” Tendo feito essa pergunta desceu do palanque sem querer ouvir a resposta e, após ele, ninguém fez uso da palavra e todos deixaram a questão com o secretário de obras e passaram a discutir a saúde sob outra ótica, a da moralidade.

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