quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Assim caminha a humanidade

Ele tinha tudo para ser uma pessoa revoltada com a vida, mas pelo jeito, era feliz e irradiava essa felicidade às pessoas em sua volta. Eu seguia tranquilo no calmo compasso diário rumo ao trabalho, embora, acompanhando com o olhar o ritmo acelerado das pessoas que vinham em minha direção ou que por mim passavam. Como é notório, as pessoas pela manhã trazem um semblante carregado, talvez seja fruto de uma noite mal dormida ou, quem sabe, de um dia que se apresenta cheio de dificuldades, e com isso, não notam o que acontece ao redor. Nossas retinas estão desacostumadas a fotografar as cenas simples da vida. Só visualizamos a correria e a seriedade das pessoas. A busca pela sobrevivência e a velocidade da cidade grande exige algo que sempre nos falta, o precioso tempo. Corremos até contra o tempo. Isso tem nos levado a caminhar sem observar e sentir o frescor e o sabor da vida.
Eu, que estou aprendendo a reconhecer em tudo uma lição, procurando enxergar que por detrás de nuvens negras sempre vem a chuva para regar a vida, e que se não espremer a azeitona não se tem o azeite, se não fosse isso, os dias para mim seriam todos iguais, mesmice e repetição enfadonha, apesar da grande correira que se tornou nosso viver. De repente, na minha caminhada notei que quando as pessoas me ultrapassavam se desviavam de alguém logo a frente e seguiam em passos largos novamente. Quando me aproximei notei a razão do desvio repentino das pessoas. Um rapaz paraplégico que seguia seu trajeto sendo amparado por um par de muletas. Com um esforço tremendo para caminhar, seguia passo a passo sob o embalo de uma canção que ele mesmo entoava e que ficou gravada em minha mente o restante daquela manhã.
Diminui um pouco mais o meu ritmo e fiquei logo atrás dele ouvindo a canção, que alegre, cantarolava. Na escada rolante me emparelhei com e ele e observei o seu semblante radiante. Embora os movimentos físicos estivessem comprometidos, retendo sua agilidade de caminhar, sua alma estava liberta, livre, solta como um pássaro a voar, que por sinal, parecia acompanhá-lo em sua melodia. Ele me olhou e esboçou um sorriso sincero. Respondi em silêncio com outro sorriso e fiquei imaginando de onde provinha aquela felicidade. Eu mesmo cheguei a conclusão. Vinha da vida. Refleti na existência humana, na fragilidade dela e ao mesmo tempo na força que a vida nos oferece para viver. Aquele jovem aos olhos dos que passavam por ele, parecia ser apenas mais um deficiente físico, simplesmente e nada mais.
Mas, a vontade e a força para viver estavam fazendo a diferença. Percebi que para vivermos não é necessário muita coisa. Ele que aparentemente parecia ser menos capacitado do que os que por ele passavam, demonstrava ser o mais feliz naquela manhã. Desfrutava do fato de estar respirando, caminhando e podendo expressar em uma canção o agradecimento sincero ao Criador e o seu contentamento por apenas existir. Durante os segundos seguintes, enquanto alguns procuravam nos ultrapassar, subíamos os degraus da escada rolante, ele cantando e alguns ouvindo. Subi refletindo enquanto meu coração se enchia de gratidão pela vida que eu tinha. Conclui que a vida é inexplicável, insondável e ao mesmo tempo tão simples. É como os órgãos do nosso corpo que só notamos que eles existem e estão sempre funcionando em perfeita harmonia, por causa da vida, quando algum deles falham nos provocando dores.

Aquele jovem me contagiou com sua vida simples. A vida que estava nele era a luz para os homens. Ao chegar no topo da escada, ele rapidamente acomodou as muletas sob os braços e seguiu cantarolando sua canção feliz da vida. Eu pedi a Deus que me sustentasse e me guiasse naquele dia e segui ouvindo ainda por uma boa distância aquele jovem em meio a multidão. Assim deveria caminhar a humanidade...

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