Ele
tinha tudo para ser uma pessoa revoltada com a vida, mas pelo jeito,
era feliz e irradiava essa felicidade às pessoas em sua volta. Eu
seguia tranquilo no calmo compasso diário rumo ao trabalho, embora,
acompanhando com o olhar o ritmo acelerado das pessoas que vinham em
minha direção ou que por mim passavam. Como é notório, as pessoas
pela manhã trazem um semblante carregado, talvez seja fruto de uma
noite mal dormida ou, quem sabe, de um dia que se apresenta cheio de
dificuldades, e com isso, não notam o que acontece ao redor. Nossas
retinas estão desacostumadas a fotografar as cenas simples da vida.
Só visualizamos a correria e a seriedade das pessoas. A busca pela
sobrevivência e a velocidade da cidade grande exige algo que sempre
nos falta, o precioso tempo. Corremos até contra o tempo. Isso tem
nos levado a caminhar sem observar e sentir o frescor e o sabor da
vida.
Eu, que
estou aprendendo a reconhecer em tudo uma lição, procurando
enxergar que por detrás de nuvens negras sempre vem a chuva para
regar a vida, e que se não espremer a azeitona não se tem o azeite,
se não fosse isso, os dias para mim seriam todos iguais, mesmice e
repetição enfadonha, apesar da grande correira que se tornou nosso
viver. De repente, na minha caminhada notei que quando as pessoas me
ultrapassavam se desviavam de alguém logo a frente e seguiam em
passos largos novamente. Quando me aproximei notei a razão do desvio
repentino das pessoas. Um rapaz paraplégico que seguia seu trajeto
sendo amparado por um par de muletas. Com um esforço tremendo para
caminhar, seguia passo a passo sob o embalo de uma canção que ele
mesmo entoava e que ficou gravada em minha mente o restante daquela
manhã.
Diminui
um pouco mais o meu ritmo e fiquei logo atrás dele ouvindo a canção,
que alegre, cantarolava. Na escada rolante me emparelhei com e ele e
observei o seu semblante radiante. Embora os movimentos físicos
estivessem comprometidos, retendo sua agilidade de caminhar, sua alma
estava liberta, livre, solta como um pássaro a voar, que por sinal,
parecia acompanhá-lo em sua melodia. Ele me olhou e esboçou um
sorriso sincero. Respondi em silêncio com outro sorriso e fiquei
imaginando de onde provinha aquela felicidade. Eu mesmo cheguei a
conclusão. Vinha da vida. Refleti na existência humana, na
fragilidade dela e ao mesmo tempo na força que a vida nos oferece
para viver. Aquele jovem aos olhos dos que passavam por ele, parecia
ser apenas mais um deficiente físico, simplesmente e nada mais.
Mas, a
vontade e a força para viver estavam fazendo a diferença. Percebi
que para vivermos não é necessário muita coisa. Ele que
aparentemente parecia ser menos capacitado do que os que por ele
passavam, demonstrava ser o mais feliz naquela manhã. Desfrutava do
fato de estar respirando, caminhando e podendo expressar em uma
canção o agradecimento sincero ao Criador e o seu contentamento por
apenas existir. Durante os segundos seguintes, enquanto alguns
procuravam nos ultrapassar, subíamos os degraus da escada rolante,
ele cantando e alguns ouvindo. Subi refletindo enquanto meu coração
se enchia de gratidão pela vida que eu tinha. Conclui que a vida é
inexplicável, insondável e ao mesmo tempo tão simples. É como os
órgãos do nosso corpo que só notamos que eles existem e estão
sempre funcionando em perfeita harmonia, por causa da vida, quando
algum deles falham nos provocando dores.
Aquele
jovem me contagiou com sua vida simples. A vida que estava nele era a
luz para os homens. Ao chegar no topo da escada, ele rapidamente
acomodou as muletas sob os braços e seguiu cantarolando sua canção
feliz da vida. Eu pedi a Deus que me sustentasse e me guiasse naquele
dia e segui ouvindo ainda por uma boa distância aquele jovem em meio
a multidão. Assim deveria caminhar a humanidade...
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