Volto a
ocupar o espaço nessa coluna para externar meus sentimentos de dor,
pesar e indignação e solidarizar-me com as famílias enlutadas que
perderam seus entes queridos no incêndio na boate Kiss em Santa
Maria no Rio Grande do Sul. Ainda sonolento comecei a ouvir as
primeiras notícias sobre uma tragédia, segundo especialistas,
anunciada, onde centenas de sonhos se desfizeram. A morte inesperada,
prematura e repentina de centenas de jovens estudantes, futuros
doutores, engenheiros e advogados interrompeu a trajetória de
maneira triste, dolorida e acima de tudo irresponsável que traduzia
com força e vigor a ganância de empresários, a fragilidade das
leis, a impunidade de culpados e o descaso de políticos que até
nesse momento de dor se aproveitam da ocasião para falar em leis de
ocasião. Pensei que estivesse sonhando, pois, não queria acreditar
no que via e ouvia. O que era divertimento se tornou em tragédia, a
alegria deu lugar a tristeza, os sorrisos se transformaram em
lágrimas e a vida, em um instante foi tragada pela morte.
Os
relatos, testemunhos e depoimentos de sobreviventes ainda em pânico
pareciam fugidos do inferno. E foi assim que que se tornou aquela
boate. A comoção logo tomou conta do país. O luto envolveu a
cidade, o estado e todo o país do brasileiro mais simples a
presidenta. Mais uma vez a solidariedade do povo brasileiro foi
excepcional, rápida e eficiente. A impressão que eu tinha era que
sonhava e logo despertaria do sonho e que aquelas cenas logo se
perderiam na minha memória. Acho que eu não havia acordado, eu
queria acordar e ter a certeza que tudo aquilo fora um sonho ou um
pesadelo. Não foi possível conter as lágrimas. A fumaça negra que
saia daquela boate, onde centenas de jovens davam inicio ao sonho,
comemorando o retorno às aulas, o reencontro com os amigos, as
perspectivas e esperanças ficaram pisoteadas no solo da agonia, da
dor, do desespero e do medo que ceifou a vida de mais de duzentos e
quarenta jovens.
Os que
entraram para a universidade pela porta da frente, que vislumbravam
diversas portas para a vida, morreram sem nenhuma porta de saída. A
morte prevaleceu sobre o vigor de jovens entusiasmados pela vida. No
caminho para o futuro havia uma porta fechada, uma comanda a ser
paga, seguranças para não permitir a saída, nem mesmo uma janela
de esperança. Paredes frias se transformaram em fornos como um
holocausto e a vida ficou sem sentido, sem valor. Vi jovens
desesperados em um esforço sobrenatural, porém compreensível,
tentando salvar seus amigos, seus irmãos, sem medir a consequência
por inalar aquela fumaça tóxica. A irresponsabilidade, embora não
totalmente esclarecida, de um músico que acendeu um artifício
altamente inflamável deve ser dividida com muita gente, inclusive
autoridades. Parecia que sonhava ao ver o desespero de familiares, de
mães, pais e irmãos que não puderam dar o abraço e o beijo (Kiss)
de despedida.
Parecia
que sonhava ao ver até mesmo os bombeiros incapazes de salvar e ao
mesmo tempo precisando de ajuda. Vi o comprometimento de voluntários,
enfermeiros, médicos, alguns, professores daqueles que jaziam no
asfalto, tentando acima de suas capacidades trazer à vida o sonho
daqueles jovens. Vi amigos procurando amigos precisando saltar por
corpos inertes para poder perceber pelo menos um folego de vida. Só
podia ser um pesadelo e eu não havia acordado. Santa Maria chorou, o
estado e o país choraram. Faltaram flores, sobraram lágrimas. Era
preciso repensar a vida, renovar as forças e não perder a esperança
nos jovens. Era o momento para chorar com os que choram e pavimentar
a estrada para o futuro com a superação e a responsabilidade de uma
país que sempre foi considerado do futuro.
Por um
instante vivi a dor daquelas famílias em um filho que demora voltar,
no celular que não atende as chamadas, na falta de informações, na
angústia de olhar para uma lista e ver o nome de um filho escrito
nela. Como é triste ver os corpos enfileirados, sem vida, a espera
de reconhecimento e como é dolorido ver os pais levantando os
lençóis na expectativa de que os seus filhos não estejam debaixo
deles. O sentimento era de dor, tristeza, amargura, angústia e acima
de tudo, de revolta pela impunidade repetida em tantos outros casos
que nos faz sentir que a vida e a morte são pesadas na mesma balança
do descaso. Justificativas e explicações ainda prevalecem e não
servem para amenizar a dor das famílias. Embora essas mortes tenham
acontecido de maneira tão vil, esperamos que sirvam para algo tão
vital, a honestidade e a responsabilidade daqueles que governam essa
nação.
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