quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O inferno na boate

Volto a ocupar o espaço nessa coluna para externar meus sentimentos de dor, pesar e indignação e solidarizar-me com as famílias enlutadas que perderam seus entes queridos no incêndio na boate Kiss em Santa Maria no Rio Grande do Sul. Ainda sonolento comecei a ouvir as primeiras notícias sobre uma tragédia, segundo especialistas, anunciada, onde centenas de sonhos se desfizeram. A morte inesperada, prematura e repentina de centenas de jovens estudantes, futuros doutores, engenheiros e advogados interrompeu a trajetória de maneira triste, dolorida e acima de tudo irresponsável que traduzia com força e vigor a ganância de empresários, a fragilidade das leis, a impunidade de culpados e o descaso de políticos que até nesse momento de dor se aproveitam da ocasião para falar em leis de ocasião. Pensei que estivesse sonhando, pois, não queria acreditar no que via e ouvia. O que era divertimento se tornou em tragédia, a alegria deu lugar a tristeza, os sorrisos se transformaram em lágrimas e a vida, em um instante foi tragada pela morte.
Os relatos, testemunhos e depoimentos de sobreviventes ainda em pânico pareciam fugidos do inferno. E foi assim que que se tornou aquela boate. A comoção logo tomou conta do país. O luto envolveu a cidade, o estado e todo o país do brasileiro mais simples a presidenta. Mais uma vez a solidariedade do povo brasileiro foi excepcional, rápida e eficiente. A impressão que eu tinha era que sonhava e logo despertaria do sonho e que aquelas cenas logo se perderiam na minha memória. Acho que eu não havia acordado, eu queria acordar e ter a certeza que tudo aquilo fora um sonho ou um pesadelo. Não foi possível conter as lágrimas. A fumaça negra que saia daquela boate, onde centenas de jovens davam inicio ao sonho, comemorando o retorno às aulas, o reencontro com os amigos, as perspectivas e esperanças ficaram pisoteadas no solo da agonia, da dor, do desespero e do medo que ceifou a vida de mais de duzentos e quarenta jovens.
Os que entraram para a universidade pela porta da frente, que vislumbravam diversas portas para a vida, morreram sem nenhuma porta de saída. A morte prevaleceu sobre o vigor de jovens entusiasmados pela vida. No caminho para o futuro havia uma porta fechada, uma comanda a ser paga, seguranças para não permitir a saída, nem mesmo uma janela de esperança. Paredes frias se transformaram em fornos como um holocausto e a vida ficou sem sentido, sem valor. Vi jovens desesperados em um esforço sobrenatural, porém compreensível, tentando salvar seus amigos, seus irmãos, sem medir a consequência por inalar aquela fumaça tóxica. A irresponsabilidade, embora não totalmente esclarecida, de um músico que acendeu um artifício altamente inflamável deve ser dividida com muita gente, inclusive autoridades. Parecia que sonhava ao ver o desespero de familiares, de mães, pais e irmãos que não puderam dar o abraço e o beijo (Kiss) de despedida.
Parecia que sonhava ao ver até mesmo os bombeiros incapazes de salvar e ao mesmo tempo precisando de ajuda. Vi o comprometimento de voluntários, enfermeiros, médicos, alguns, professores daqueles que jaziam no asfalto, tentando acima de suas capacidades trazer à vida o sonho daqueles jovens. Vi amigos procurando amigos precisando saltar por corpos inertes para poder perceber pelo menos um folego de vida. Só podia ser um pesadelo e eu não havia acordado. Santa Maria chorou, o estado e o país choraram. Faltaram flores, sobraram lágrimas. Era preciso repensar a vida, renovar as forças e não perder a esperança nos jovens. Era o momento para chorar com os que choram e pavimentar a estrada para o futuro com a superação e a responsabilidade de uma país que sempre foi considerado do futuro.
Por um instante vivi a dor daquelas famílias em um filho que demora voltar, no celular que não atende as chamadas, na falta de informações, na angústia de olhar para uma lista e ver o nome de um filho escrito nela. Como é triste ver os corpos enfileirados, sem vida, a espera de reconhecimento e como é dolorido ver os pais levantando os lençóis na expectativa de que os seus filhos não estejam debaixo deles. O sentimento era de dor, tristeza, amargura, angústia e acima de tudo, de revolta pela impunidade repetida em tantos outros casos que nos faz sentir que a vida e a morte são pesadas na mesma balança do descaso. Justificativas e explicações ainda prevalecem e não servem para amenizar a dor das famílias. Embora essas mortes tenham acontecido de maneira tão vil, esperamos que sirvam para algo tão vital, a honestidade e a responsabilidade daqueles que governam essa nação.

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