quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O desmaio do cavalo

Fiquei surpreso com a notícia que recebi de que o “cavalo” havia desmaiado. Um rapaz na casa dos seus trinta e poucos anos de idade que jamais foi a uma consulta médica, pois vendia saúde e tinha força e disposição para o trabalho de fazer inveja, se é que isso é possível, aos mais fiéis trabalhadores. Nascido e criado no campo, entre as fazendas de gado, de cana de açúcar e de laranja, nunca esteve em uma grande cidade. Cresceu percorrendo as matas, rios e riachos, enfrentando répteis e todos os tipos de animais silvestres e perigosos em ambientes assustadores para qualquer sertanista de coragem. Sabia falar a linguagem dos animais do campo como ninguém, assim como compreendia o comportamento, atitude e reações de cada um deles, de uma simples galinha a um touro indomável. Tinha a força de um cavalo, e agilidade de um leopardo. Derrubava sem nenhuma cerimônia árvores centenárias extraindo pela raiz, para limpeza de terreno, quando solicitado, assim como, enormes coqueiros, mangueiras em pouco tempo, utilizando-se apenas de um machado, mas com a força de um pequeno trator.
Cortava os troncos em toras e as carregava como se fossem pequenos fardos de algodão. Seu hobby era a pesca, passava horas e dias nas margens do rio Tietê, sob o sol escaldante, desfrutando da tranquilidade das águas e da beleza única e incomparável do lugar, que é digna de cartão postal, esperando pacientemente os peixes fisgarem suas iscas. A caça ele “deixou” por respeito à natureza. Como um felino a espreita da sua presa e com olhos atentos ao menor movimento, fazia da tocaia a sua melhor armadilha. Ao invés de ser surpreendido pelos animais ele os surpreendia. Já chegou a enfrentar uma onça apenas com uma faca. Antes do canto do galo ele já estava em pé, pronto para mais um longo dia de trabalho árduo na fazenda. Vestido como um soldado pronto para a batalha, roupa camuflada, bota, boné, uma faca afiada na cintura e a inseparável bóia fria dentro do bornal, aliás, tinha um apetite impressionante e comia de tudo que lhe era posto à mesa e quase nada sobrava.
E assim ele partia antes do sol raiar, mas somente depois de saborear um reforçado café matinal. Se havia uma coisa que o tirava do sério, era a fome. Todas as manhãs ele seguia com seu equipamento para pulverizar a plantação com veneno e com isso, combater as pragas da lavoura. Mesmo sem nunca haver sentado no banco de uma escola técnica, sabia como ninguém desempenhar com muita habilidade as funções de mecânico de trator, encanador, eletricista, carpinteiro, pedreiro entre outras. Era, como diz o ditado por ai, pau para toda a obra. Servia com alegria e não sabia dizer não para as pessoas. Fazia tudo o que estava em seu alcance e muitas vezes além dele. Com frequência era surpreendido fazendo uma coisa antes de terminar o que fazia anteriormente. Apesar de morar em uma fazenda, lugar tranquilo onde o tempo parecia haver parado, ele corria de um lado para o outro em incansáveis trabalhos. Quando não estava na roça em seu trabalho normal, dificilmente o víamos parado, estava sempre ocupado fazendo alguma coisa, quer seja consertando uma ferramenta, uma máquina, preparando o cocho e alimentando os porcos, verificando as cercas, regando e cuidando da horta, consertando telhado, antena, rádio, chuveiro, enfim, a disposição do cavalo era de fazer inveja a qualquer super herói. Em seus momentos de descanso deitava no chão para uma breve soneca.
Nos finais de semana ainda participava do time de futebol do lugar e era literalmente um verdadeiro beque de fazenda. Corria o tempo todo e não se cansava. Não reclamava de dores, não sentia frio e no calor não tinha sensação de cansaço, mantinha sempre a mesma disposição. Sua saúde parecia de ferro. Isso mesmo parecia. Até que um dia, o “cavalo” precisou passar por uma consulta com um dentista para uma avaliação e um posterior tratamento dentário, se fosse necessário. E foi. Depois de examinado constatou ser preciso extrair e substituir com implantes os dentes incisivos, os da frente, aqueles que dão início ao processo de mastigação e que têm a função de cortar os alimentos. Algo normal hoje em dia, mas não para o “cavalo”. A extração até que ocorreu dentro das normalidades, parecia que nem sentiu as dores da injeção de anestesia, talvez nem precisasse dela, mas o implante, foi uma surpresa. Depois de vários dias sem os dentes era preciso retornar ao dentista para começar os implantes. Foi então que o “cavalo” surpreendeu a todos, provavelmente até ele mesmo.
Ao iniciar os trabalhos de perfuração na gengiva, um vaso sanguíneo foi atingido e o sangue jorrou como uma cachoeira. Nada estancava a hemorragia e o “cavalo” foi perdendo sangue, ficando cada vez mais pálido, suava frio, sua cabeça girava e seus olhos começaram a escurecer. Procurava apoio, mas tudo foi em vão para segurá-lo. Sentiu que não havia mais o chão sob os seus pés. Pela primeira vez sentiu-se fraco. Como Sansão, que ao ter os cabelos cortados por Dalila, perdeu as forças, assim estava o “cavalo” ao ver o sangue jorrando. O socorro foi solicitado, mas antes mesmo de chegar, ele desabou. As pessoas que conviviam diariamente com ele se assustaram. A notícia sobre o que ocorreu alcançou todo o vilarejo, nunca o viram doente. E assim com eu, todos ficaram surpresos com o desmaio do “cavalo”. Era através desse apelido que o Márcio era conhecido. 

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