quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Mãos calejadas

Durante a exibição de uma reportagem que mostrava a tristeza e a dificuldade enfrentada pelos moradores na região serrana do Rio de Janeiro, onde aconteceu a calamidade das enchentes, uma cena em meio a tanta desolação sobressaiu das demais. Uma senhora chorando por haver perdido tudo o que possuía, mostrou à repórter suas mãos calejadas por décadas de trabalho e agora perdia tudo tão rapidamente. Foi surpreendente a reação da jornalista, que demonstrou o sentimento da maioria dos que provavelmente assistia a reportagem, a solidariedade. Simplesmente, em uma reação inesperada, diante das câmeras ela abraçou aquela senhora e com os olhos lacrimejantes, encerrou sua reportagem. As mãos daquela senhora mostravam a dureza da vida que muitas vezes encontramos para conseguir algo e em alguns casos, como esse por exemplo, essas mesmas mãos não são e não foram capazes de segurar e impedir que tudo se acabasse em alguns minutos. Com as mãos calejadas, muitos moradores apenas conseguiam enxugar suas lágrimas e as juntavam direcionando a Deus uma prece juntamente a um pedido de socorro. Eram mãos desesperadas em busca de salvação que se apegavam ao nada.
Com as mãos calejadas, a ajuda na remoção de escombros era realizada por incansáveis voluntários. A solidariedade chegava pelas mãos de crianças e adultos cheias de mantimentos, roupas, água, remédios e principalmente encorajamento, para, com mãos fortes, o povo lutar novamente pela sobrevivência. Os amigos, vizinhos ou desconhecidos, estendiam as mãos oferecendo abrigo, a casa, o coração. As mãos calejadas dos destemidos bombeiros também ficaram soterradas no mar de lama que desceu dos morros enquanto as mãos divinas pareciam que por um momento deixaram de segurá-los e rolaram arrastando tudo e todos pela frente. Pelas mãos do improviso, da vontade de ajudar, pontes eram reconstruídas e outras mãos ajudavam na triste travessia. Por mãos voluntárias os mortos eram carregados e pelas mãos dos parentes os entes queridos eram sepultados. Com as mãos feridas muitos tentavam amenizar a dor dos outros enquanto alguns se aproveitavam dela.
Mãos que dividiam o pão, o prato, o leito, e que repartiam com cada mão estendida um pouco de amor, eram as mesmas que imploravam aos céus pela intervenção divina. As mãos dos que contabilizavam o número de mortos, eram as mesmas que tremiam diante da face da morte sem saber onde acomodar tantos corpos. Com mãos hábeis, os pilotos em suas incontáveis idas e vindas, arriscavam suas vidas na tentativa de pousar seus helicópteros em pequenos espaços, ou até mesmo, pairando-os no ar, demonstrando uma grande compaixão com os desabrigados que muitos receberam, assim como os bombeiros, o título de heróis, e realmente o foram. Resgataram vidas, amenizaram o medo, o sofrimento e aos desesperados mostraram uma saída, orientaram os perdidos, choraram a dor dos que choravam, mas, acima de tudo, entregaram a esperança, a fé e a coragem para se continuar lutando. Era preciso remover as pedras para renovar os sonhos, reconstruir primeiro a vida para reconstruir as casas.
Com as mãos trêmulas as pessoas procuravam nas listas pelos nomes dos parentes, não sei se querendo ou não encontrá-los. Se os encontrassem, estariam mortos, casos contrários, desaparecidos. Qual seria a pior dor? Continua sendo das autoridades que encolhem suas mãos quando precisam estendê-las. Pelas mãos calejadas, aquela senhora agradecia por estar viva e que elas lhes serviriam para um novo recomeço. A jornalista, que com seu microfone em mãos informava o número de mortos que crescia, a dificuldade de ajudar as pessoas encontradas pelos bombeiros e voluntários, o desespero de familiares sem notícias dos parentes e os valores que seriam empregados nas reconstruções das cidades atingidas. É possível segurarmos muitas coisas em nossas mãos em no momento seguinte podemos perdê-las todas, mas, jamais perderemos o que confiamos às mãos de Deus. Só espero que as autoridades não fiquem com as mãos calejadas de tanto contar dinheiro e que este não chegue às mãos daqueles que realmente precisam...

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