terça-feira, 18 de agosto de 2015

O Comedor de bacon

Certo tempo atrás, cerca de aproximadamente uns três anos, li uma crônica que descrevia com grande maestria uma cena que ocorreu em um coletivo. Narrava o escritor que seguia para sua residência em um coletivo, quando observou uma garota, muito bonita por sinal, disse ele, comendo pipoca. Até ai nada de anormal, mas, seus gestos delicados e a maneira como degustava sua pipoca despertou nele o desejo de também saboreá-las. Ele a observava de soslaio interiormente com vontade de solicitar algumas pipocas mas temia receber um sonoro não e se conteve apenas a observá-la. Em certo momento ele a encarou com firmeza, com olhar de cão pedinte, mas nenhuma reação por parte da garota que continuava degustando sua pipoca docemente e depois desceu deixando-o com o gosto da pipoca na boca sem, portanto, saboreá-la. Quando li, me coloquei em seu lugar.
Ainda hoje quando me deparo com alguém comendo pipoca ou mesmo quando meus filhos estouram pipoca em casa, eu me lembro dessa crônica, como já disse, escrita com muita maestria. Algo do gênero aconteceu comigo, somente o produto consumido e a personagem eram diferentes. Seguia em meu caminho de volta para casa, o qual já faço, se possível fosse, até de olhos vendados, quando, depois de esperar o terceiro ônibus para poder embarcar com segurança e encontrar um lugarzinho para sentar, finalmente relaxei. Enquanto as pessoas entravam, eu já estava sentado ao lado da janela observando todo o movimento lá fora. Depois de alguns minutos e de um empurra-empurra descomunal para que todos se acomodassem, no horário determinado, o motorista partiu.
Algumas pessoas seguiam em pé com seus fones de ouvido, alheias ao som de conversas e de buzinas. Outras, que mesmo em pé, cochilavam tentando afastar um pouco o cansaço depois de um dia de trabalho. Todos pareciam que ansiavam pelo aconchego do lar. Os que estavam sentados, eram solidários e seguravam bolsas e mochilas daqueles que se acomodavam em pé. De repente, depois de completamente lotado o coletivo, se aproximou um rapaz de boné na cabeça, mochila nas costas e trazendo um saco plástico nas mãos que logo se acomodou em um pequeno espaço bem próximo de mim. Imediatamente, com um pequeno esforço por causa das pessoas a sua volta, tirou a mochila das costas e a colocou no assoalho do ônibus entre as pernas, abriu um saco plástico, puxou outro de dentro, rasgou-o com a força de um leão, pegou um pedaço de bacon e com a fome de um urso, deu uma mordida que todos ao redor ouviram o crooofit...crooofit...de suas mordidas.
Foi então que me lembrei da crônica da garota comendo pipoca. Enquanto ela, sentada, gestos delicados, saboreava sua pipoca docemente a ponto de por água na boca do escritor, esse rapaz estava em pé e a cada voraz mordida, um senhor que estava sentado olhava para cima temendo que caísse farelos de bacon em sua cabeça. As pessoas, até mesmo as de fone nos ouvidos, algumas os retiraram para se certificar de onde viera aquele barulho. Os olhares se cruzavam, os sorrisos ficavam contidos e ninguém manifestava palavra alguma, apenas ouviam o crooofit...crooofit das mordidas enlouquecidas do rapaz que não se importava com nada. Era um rapaz simples que aparentemente não estava nem um pouco preocupado com o preço do dolar, do euro, do barril de petróleo, muito menos queria saber sobre as ogivas nucleares do Irã ou da Coréia do Norte, preocupava-se apenas em comer o seu bacon. Diante dessas duas atitudes, pude perceber que a verdadeira satisfação está nas coisas simples da vida. Enquanto uns e outros olhavam aquela cena com certa reprovação, confesso que assim como o escritor acima mencionado, eu, que não costumo me alimentar com esse tipo de produto, despertou-me o paladar.
Ao contrário do escritor que temia receber um sonoro não caso pedisse um pouco de pipoca, eu tinha a certeza que o meu pedido seria atendido, mas em nome de uma aparente discrição e vergonha não o fiz. Depois de certo momento de viagem ele sentou-se a meu lado e ofereceu-me uma porção do bacon, eu agradeci e recusei a oferta. Diferentemente do escritor que queria a pipoca, eu recusei o bacon, a garota saiu e o deixou saboreando a pipoca mesmo sem come-la, eu sai e deixei o rapaz saboreando o restante do bacon ainda com mesma voracidade do início. 
Segui para casa lembrando-me das palavras do Mestre dos mestres que dizia: nem só de pão viverá o homem...mas também de pipoca, bacon, salgadinhos...completei e sorri para mim mesmo. Ainda com o cheiro e o gosto do bacon, que mesmo sem provar, podia saborear, fiquei aguardando o jantar, que para minha surpresa, não tinha bacon....

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