A
cena ficou registrada somente em minha imaginação, a câmera, os
meus olhos, não foram capazes de fotografar e jamais terão tal
oportunidade para um novo ensaio e ver a mãe sorridente, de braços
abertos, a espera do filho que vem ao seu encontro correndo ao sair
da escola. Somente em minha imaginação, ou a de um cineasta que
idealiza o final de seu filme, é que posso contemplar o carinho, a
troca de olhares entre mãe e filhos. Os gestos suaves das mãos que
deslizam sobre o corpo dos filhos ao passar o sabonete no banho
enquanto lentamente conversa e admira a perfeição física de seus
filhos, é a melhor cena do filme. Mas somente a minha imaginação
seria capaz de ver na hora de dormir a mãe pacientemente contando
histórias para seus filhos, e eles, atentos fazendo perguntas que
quase não se têm as respostas. Minhas retinas jamais terão o
privilégio de apreciar, apenas a minha mente será capaz de projetar
as cenas do cotidiano entre a mãe e seus filhos, como a hora do
acordar, onde sonolentos, são despertados com beijos. Nenhum bom
diretor perderia tal cena.
A
cena da saída dos filhos para a escola, a mais comum entre mãe e
filhos, a alegria de vê-los saindo com as mochilas nas costas,
olhando para trás, para a mãe, que fica acenando já a espera do
reencontro no final do dia. Se eu pudesse filmá-los com certeza
seria um campeão de bilheteria. Infelizmente, os filhos sem mãe,
não participarão desse filme, pois não haverá mais filme. Não
por causa dos filhos, mas por causa da mãe. Não digo por mim, que
me acostumei com essas cenas, pois tive o prazer de assisti-las por
diversas vezes entre a mãe dos meus filhos. E como um bom diretor e
roteirista, pedia para que a cena fosse repetida para eu interagir
com eles. É por essa razão que como um replay tento assistir
novamente o filme antigo. Mas as imagens que minha mente projeta não
têm cores, são em preto e branco, sem vida, imagens distorcidas,
sem boa definição. Há somente a alegria dos filhos, mas não vemos
a presença da mãe. Há a interação dos filhos e a inércia da
mãe. Deixou de contracenar com os filhos, abandonou o espetáculo da
vida antes mesmo das luzes se apagarem.
Impossível
reescrever a história, mas é um drama da vida real que não terá
um final feliz, pois não se pode mais mudar o roteiro. A
protagonista principal já não pode mais representar, mas a sua
performance jamais será esquecida. Pelas lentes dos meus olhos pude
fotografar cenas exclusivas e raras, registradas no HD do meu
coração, as quais não posso compartilhar com ninguém. É
possível, através de cenas reais, imaginar as que não foram ao ar,
que foram cortadas, ou talvez, nem mesmo foram ensaiadas. Cenas como
da mãe dando a papinha e eles com a cara lambuzada sorrindo enquanto
comiam. Do balbuciar as primeiras palavras, se papai ou mamãe, não
sei, o vento levou. Mas ainda posso filmar e registrar não somente
em minha memória, a satisfação de ler as primeiras palavras, de
perder os primeiros dentes, assim como a tristeza do primeiro dia das
mães sem a mãe, a angústia e a dor da saudade não permitem
ensaios, são expressos em realidade, pois partem de um coração que
sofre. Como gostaria que fosse uma ficção, ou aventura de um
roteiro adaptado!
Os
atores mirins, os filhos, não ensaiam seus papéis, mas cada um a
seu modo interpreta de maneira real e emocionante a sua aventura
nesse filme da vida. É em nossa casa que a dublê entra em cena e se
envolve em todos os momentos, o papel de uma mãe ela logo incorpora.
Sua experiência e atuação são dignas de um “Oscar”. Em cada
ação há dedicação e esmero, onde cenas reais ganham vida, amor,
carinho, educação, respeito, e acima de tudo, esperança e formação
para continuar a encenação pelos palcos da vida. Assisto a tudo
como um mero coadjuvante, outras vezes como um simples figurante,
mas, não posso esquecer do meu papel principal que é de fazer com
que os atores mirins, os filhos sem mãe, sejam felizes em uma terra
de infelizes, justos em uma terra de injustos, alegres em uma terra
de iracundos e que aprendam que a vida é um espetáculo único e que
não importa o tamanho do nosso sucesso, saber viver é uma arte.
Embora
participemos de um longa metragem, a nossa vida é muito breve. Entre
o abrir dos nossos olhos ao nascer, e o seu fechar em um túmulo, não
podemos mensurar o tempo que levará. Diante da eternidade, somos
como uma gota d´água no oceano. Mas é preciso seguir o script da
vida, o roteiro original, escrito pelo autor do espetáculo da vida,
e ainda assim, adaptá-lo para não permitir que os atrasos de
produção, as falhas, as dificuldades, em nada possam impedir que os
filhos sem mãe sejam vencedores e merecedores do maior troféu do
cinema da vida, o nosso amor, o nosso carinho e o nosso afeto, pois
esses filhos sem mãe, não são simples atores, são nossos netos...
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