quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Filhos sem mãe

A cena ficou registrada somente em minha imaginação, a câmera, os meus olhos, não foram capazes de fotografar e jamais terão tal oportunidade para um novo ensaio e ver a mãe sorridente, de braços abertos, a espera do filho que vem ao seu encontro correndo ao sair da escola. Somente em minha imaginação, ou a de um cineasta que idealiza o final de seu filme, é que posso contemplar o carinho, a troca de olhares entre mãe e filhos. Os gestos suaves das mãos que deslizam sobre o corpo dos filhos ao passar o sabonete no banho enquanto lentamente conversa e admira a perfeição física de seus filhos, é a melhor cena do filme. Mas somente a minha imaginação seria capaz de ver na hora de dormir a mãe pacientemente contando histórias para seus filhos, e eles, atentos fazendo perguntas que quase não se têm as respostas. Minhas retinas jamais terão o privilégio de apreciar, apenas a minha mente será capaz de projetar as cenas do cotidiano entre a mãe e seus filhos, como a hora do acordar, onde sonolentos, são despertados com beijos. Nenhum bom diretor perderia tal cena.
A cena da saída dos filhos para a escola, a mais comum entre mãe e filhos, a alegria de vê-los saindo com as mochilas nas costas, olhando para trás, para a mãe, que fica acenando já a espera do reencontro no final do dia. Se eu pudesse filmá-los com certeza seria um campeão de bilheteria. Infelizmente, os filhos sem mãe, não participarão desse filme, pois não haverá mais filme. Não por causa dos filhos, mas por causa da mãe. Não digo por mim, que me acostumei com essas cenas, pois tive o prazer de assisti-las por diversas vezes entre a mãe dos meus filhos. E como um bom diretor e roteirista, pedia para que a cena fosse repetida para eu interagir com eles. É por essa razão que como um replay tento assistir novamente o filme antigo. Mas as imagens que minha mente projeta não têm cores, são em preto e branco, sem vida, imagens distorcidas, sem boa definição. Há somente a alegria dos filhos, mas não vemos a presença da mãe. Há a interação dos filhos e a inércia da mãe. Deixou de contracenar com os filhos, abandonou o espetáculo da vida antes mesmo das luzes se apagarem.
Impossível reescrever a história, mas é um drama da vida real que não terá um final feliz, pois não se pode mais mudar o roteiro. A protagonista principal já não pode mais representar, mas a sua performance jamais será esquecida. Pelas lentes dos meus olhos pude fotografar cenas exclusivas e raras, registradas no HD do meu coração, as quais não posso compartilhar com ninguém. É possível, através de cenas reais, imaginar as que não foram ao ar, que foram cortadas, ou talvez, nem mesmo foram ensaiadas. Cenas como da mãe dando a papinha e eles com a cara lambuzada sorrindo enquanto comiam. Do balbuciar as primeiras palavras, se papai ou mamãe, não sei, o vento levou. Mas ainda posso filmar e registrar não somente em minha memória, a satisfação de ler as primeiras palavras, de perder os primeiros dentes, assim como a tristeza do primeiro dia das mães sem a mãe, a angústia e a dor da saudade não permitem ensaios, são expressos em realidade, pois partem de um coração que sofre. Como gostaria que fosse uma ficção, ou aventura de um roteiro adaptado!
Os atores mirins, os filhos, não ensaiam seus papéis, mas cada um a seu modo interpreta de maneira real e emocionante a sua aventura nesse filme da vida. É em nossa casa que a dublê entra em cena e se envolve em todos os momentos, o papel de uma mãe ela logo incorpora. Sua experiência e atuação são dignas de um “Oscar”. Em cada ação há dedicação e esmero, onde cenas reais ganham vida, amor, carinho, educação, respeito, e acima de tudo, esperança e formação para continuar a encenação pelos palcos da vida. Assisto a tudo como um mero coadjuvante, outras vezes como um simples figurante, mas, não posso esquecer do meu papel principal que é de fazer com que os atores mirins, os filhos sem mãe, sejam felizes em uma terra de infelizes, justos em uma terra de injustos, alegres em uma terra de iracundos e que aprendam que a vida é um espetáculo único e que não importa o tamanho do nosso sucesso, saber viver é uma arte.

Embora participemos de um longa metragem, a nossa vida é muito breve. Entre o abrir dos nossos olhos ao nascer, e o seu fechar em um túmulo, não podemos mensurar o tempo que levará. Diante da eternidade, somos como uma gota d´água no oceano. Mas é preciso seguir o script da vida, o roteiro original, escrito pelo autor do espetáculo da vida, e ainda assim, adaptá-lo para não permitir que os atrasos de produção, as falhas, as dificuldades, em nada possam impedir que os filhos sem mãe sejam vencedores e merecedores do maior troféu do cinema da vida, o nosso amor, o nosso carinho e o nosso afeto, pois esses filhos sem mãe, não são simples atores, são nossos netos...

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