Algum tempo atrás precisei
fazer alguns exames cardiovasculares, algo rotineiro, próprio da
idade de quem já está avançando nos dias, para que nada nos pegue
de surpresa. Mas a gente sabe que ele, o coração, quando quer nos
surpreende. Ele é especialista nisso. A tensão que fiquei no dia
foi impressionante. Aquele monte de fios monitorando meu peito,
médicos atentos às minhas reações, mediam a pressão arterial
seguidamente enquanto me esforçava na esteira. Foi estressante mas
nada que um ser humano comum não faça com facilidade. Tudo bem,
você está vendendo saúde, disse o doutor brincando comigo. Eu
acreditei, pois me sentia em excelente forma física. Realmente os
resultados comprovaram que meu estado físico não eram ruim, pelo
contrário estavam até muito bom, ou melhor, não vamos exagerar,
normal, pela idade.
Depois ele me perguntou se eu
já havia feito exame de próstata. Engoli seco. Suei frio. Tentei em
frações de segundos pensar o que responder, mas a minha língua foi
mais rápida do que o meu pensamento. Ainda não, respondi
timidamente. Então vamos encaminhá-lo à um urologista. Nesse
momento o coração disparou talvez mais do que quando me esforçava
na esteira. Olhei bem pra ele e perguntei, mas esse exame não é
para homens acima dos cinquenta anos. Não, ele me respondeu, a
partir dos quarenta e cinco é bom começar a fazer. Booommm,
retruquei. Quer dizer, necessário ele corrigiu e foi escrevendo nos
papéis. Se eu tivesse algum problema no coração, já teria sido
reprovado naquele momento. Vamos lá, pensei com meus botões. Eu
sabia que um dia teria que passar por isso, mas não esperava que
fosse tão cedo.
Sai daquele consultório com
os papéis para os exames e muito pensativo. Lembrei-me das mulheres,
pois sempre ouço a minha falar do constrangimento que passam
periodicamente em consultórios para exames ginecológicos,
principalmente quando se trata de um médico e não de uma médica
que faz o exame. Tentei então me acalmar, mas não conseguia parar
de pensar no bendito do exame. Como esquecer! Caminhava e imaginava
como seria tal exame, o dos homens, e não o das mulheres. O delas,
por informações eu imaginava a cena desconfortante. Mas agora,
mesmo antes de realizá-lo eu já me colocava na mesma situação.
Não sabia o quanto era folclore e o quanto era realidade o que se
comentava a respeito desse exame.
Chequei em casa e nem mesmo
tive coragem de falar para a esposa sobre o exame. Temia ser ela a
primeira a rir do meu constrangimento. Falei sobre os testes
ergométricos, da minha forma física, enfim, engrandeci a minha
masculinidade mais do que era necessário, mas por dentro, o frio na
espinha corroía com medo do tal exame. Era uma segunda-feira,
resolvi esperar e não comentei com ninguém durante aquela semana.
Para aumentar meu espanto, na quarta-feira seguinte, vejo na internet
o escândalo que um deputado federal fez na tribuna do congresso ao
relatar o sofrimento e o constrangimento que passara ao realizar tal
exame. Se ele, um deputado, famoso, cheio do dinheiro, poderia ir aos
melhores médicos e hospitais, passou por isso, imagine eu, um mero
cidadão desconhecido. A adrenalina aumentou de nível.
Percebi que os relatos, apesar
de fantasiosos, eram mais realidade do que folclóricos. Criei
coragem e falei para esposa esperando o seu sorriso sarcástico, mas
ela me encorajou. Todo homem deveria fazer esse exame, disse ela. Não
sei se realmente era para me encorajar ou por perceber a minha tensão
e querer aliviar a minha pré ocupação. Durante aquela semana
procurei especular entre os colegas de serviço, estávamos todos na
mesma faixa etária, se algum deles já havia feito tal exame. Nem
foi preciso ir a fundo no assunto que logo começaram as
brincadeiras.
Os mais engraçadinhos até
afirmavam que tinha médico que não usava o dedo, deixando nas
entrelinhas o que queria dizer. Mas dei graças a Deus pois um deles
havia feito o exame e me falou como era e até me indicou o
consultório onde havia realizado o exame.
Se eu já estava desconfiado,
agora tinha certeza do constrangimento que passaria. Lutei comigo
mesmo e até pensei em não fazer o exame, mas depois que falei para
a esposa, nem tinha como recuar e todos os dias ela me cobrava se já
havia marcado a data. Marquei a data. Pensei em uma clínica bem
distante para não mais ver a cara do médico novamente. Tinha exatos
dez dias para me concentrar e me preparar psicologicamente. Sempre
que tentava especular sobre o exame, começava as piadas, alguns
falavam de câmera escondida, de homens que se apaixonam pelo médico
e querem repetir o exame semanalmente, enfim, todas essas coisas para
confrontar a nossa masculinidade. Pensei que se era constrangedor
para mim, também o seria para o doutor.
Por fim, me enchi de entusiamo
e palavras positivas e relaxei por uns dias. A gente deve fazer
coisas que não gosta quando são necessárias. Todos os homens devem
passar por isso, lembrei do que disse a minha esposa. Eu sou homem,
enchi o peito e afirmei para mim mesmo. Não me importaria com
comentários posteriores. Na véspera do dia marcado, ainda pensei em
transferir a data para outro dia. Deixa de bobagem, faz logo e fica
livre, disse ela. É, você tem razão, respondi. No dia seguinte lá
estava eu atemorizado, suando frio, mãos geladas, meu coração
batia descompassado. De longe já avistei o consultório. A minha
vontade era passar e ir embora, mas se já tinha chegado até aqui,
entrei sem olhar para os lados.
Na recepção, duas lindas
garotas faziam o pré atendimento. Entreguei meu cartão do plano de
saúde, falei o nome do médico e elas logo entenderam que era mais
um a ser exposto. Caminhei até a sala de espera, notei cerca de seis
ou sete homens aguardando e percebi que a angústia se estenderia por
mais tempo. Assim que me afundei na poltrona, que parecia ser própria
para relaxamento, uma porta se abriu e um homem aparentando a minha
idade saiu todo constrangido sem olhar para ninguém e rapidamente
desceu as escadas. Outro foi chamado.
A porta ficou entreaberta e me
esforcei para tentar ouvir a conversa entre eles, mas o médico
imediatamente a fechou. Tentei ler alguma revista interessante, mas
nada parecia se interessante naquele momento. Depois de uns quarenta
minutos e de duas pessoas na frente eu fui chamado.
Tudo parecia haver parado
naquele momento para somente eu me movimentar. Levantei-me levando
comigo a revista que estava lendo e ao perceber, voltei e a deixei na
mesa. O chão desapareceu sob meus pés, as pessoas que estavam ali
me olharam quando eu levantei, invoquei o nome de Jesus e adentrei
aquela sala, esperando encontrar ali um carrasco com seu machado
afiado, pronto para cortar minha cabeça. O doutor se levantou para
me receber ante a sua mesa e ao cumprimentar-lhe, meus olhos se
fixaram em suas mãos, queria ver a grossura de seus dedos que nem
reparei na sua fisionomia. Era um senhor na faixa dos seus setenta
anos.
Ao contrário do carrasco que
imaginei, deparei-me com um senhor de cabelos grisalhos, voz calma
gestos corteses, educado, mas na minha mente era apenas um disfarce.
Um monstro se escondia por baixo daquela aparência. Boa tarde,
disse-me. Boa noite, respondi pois já passava das dezoito horas,
tentei descontrair a conversa inicial. Mostrei-lhe o resultado de
alguns exames, inclusive o de (psa) próstata sanguínea e ele
começou a explicar a necessidade de tal exame em homens a partir dos
quarenta anos até chegar a necessidade do exame de toque retal.
Senti que havia sido fisgado pela armadilha e agora não tinha mais
saída. Apesar do frio que fazia eu suava e suei mais ainda quando
ele pediu que baixasse as calças virasse de costa, inclinasse o
pescoço para frente formando um ângulo de quarenta e cinco graus
com o corpo.
Enquanto isso, ele
tranquilamente calçou suas luvas lambuzou-me com um gel e sem a
cortesia que demonstrava anteriormente, fez o exame. Quase desmaiei.
Foi angustiante ter que passar por isso. Eles não se preocupam com a
vergonha do paciente. Tive a impressão que ele queria acabar com
qualquer preconceito machista que houvesse. Senti-me humilhado
igualmente ao nobre parlamentar. Não chorei de vergonha. Depois ele
me indicou o banheiro e solicitou que me limpasse daquele gel
gosmento. Não houve mais conversa entre nós. Apenas ao sair do
banheiro entregou os papéis dizendo que a minha próstata estava
ótima como a de um menino. Não sei se foi elogio eu se tirou um
sarro. Recomendou que no ano seguinte eu voltasse. Concordei, e como
os que saíram antes de mim, eu também sai sem olhar para ninguém.
Segui
chorando. Um ardor dentro de mim insistia em me incomodar. Queria
chegar logo em casa, tirar aquela roupa, tomar um banho e esquecer
tamanha humilhação. Quando relatei o exame às pessoas mais
próximas a mim, elas riram. Vi que o ditado popular que diz que
pimenta
nos olhos dos outros é refresco,
era verdade. Já faz quase cinco anos e até o momento não voltei
mais ao urologista. Mas como agora acho que devo, não por que quero,
mas porque é preciso fazer novamente outro exame de próstata,
lembrei-me do sufoco...ufa! e que sufoco...
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