quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Ainda existe...mas, até quando?

Acabou as férias. A rotina voltou ao normal. Levantar cedo, enfrentar a guerra diária no trânsito, estresse, nervosismo, poluição, enchente, coisas de cidade grande. A tranquilidade vivida nos últimos trinta dias é coisa do passado e de um futuro próximo, o ano seguinte. Agora a realidade é não perder tempo, trabalhar, correria e agitação da maior cidade do País e ser envolvido por ela. Mas nesses dias que estive de férias pude perceber que muitas coisas que faltam nas cidades grandes, ainda são desfrutadas em algumas pequenas cidades de interior. Eu estive em uma dessas.
Como foi importante poder sentar-me em um banco na praça e ouvir a sinfonia dos pássaros com suas melodias tranquilizadoras que encantavam não apenas meus olhos e meus ouvidos, mas principalmente meu coração. Não importava as intempéries da noite anterior, quer seja chuva, frio, ventania, eles ali estavam, todos os dias pelo amanhecer com seus cantos alegres trazendo a alegria àquela praça. Vi que ainda existem algumas praças como essa, a gente pode sentar em seus bancos esperando o tempo passar e ao mesmo tempo, ficar embaixo de uma árvore, à sua sombra e apreciar a beleza das flores e poder acompanhar com os olhos atentos os caminhos das borboletas em seus bailados fascinantes pelo ar em busca do pólen para expandir a vida.
Até mesmo com os olhos, pude acompanhar a trilha marcada no chão por milhares de formigas, como um exército, marchando, carregando folhas inúmeras vezes maiores do que seus próprios corpos, irem em direção ao formigueiro, dando-me até a impressão que entoavam um cântico celestial em uma harmonia impressionante. Vi que ainda existe a conversa simples de pessoas simples, sem malícia e de uma cortesia que a muito pensei não existir mais.
O ser humano ainda é humano. Vi que ainda existem as brincadeiras de rua, as crianças brincando felizes sem a preocupação dos pais com a violência, com sequestros, imoralidades ou coisas do gênero. Vi que ainda existe lugar onde podemos deixar as janelas abertas, as casas sem muros, ou quando eles existem, são baixos, e apenas para dividir uma propriedade da outra e não para evitar visitas e invasões indesejadas. Vi que ainda existem vizinhos que se conhecem, se cumprimentam e que se ajudam. Ainda existe o compadre e a comadre no bom sentido da palavra.
Vi e provei da culinária interiorana feita com amor e carinho, e em algumas casas, o forno a lenha mantém aquela fumacinha denunciando o almoço ou o cafezinho preste a ficar pronto. Os bolos, os pães caseiros, os doces, denunciam a arte das mãos de mulheres sábias que edificam suas casas sem muitas palavras. O leite puro, das vacas, direto para as mesas, sem a necessidade de pasteurização, alimentam crianças, jovens, adultos e velhos, as hortas e pomares domésticos oferecem frutas e verduras em abundância. Há também o transporte coletivo, a “jardineira”, levando e trazendo os camponeses às cidades para consultas médicas, bancos, lojas, supermercados, enfrentando quilômetros de estradas vicinais de barro, sendo uma verdadeira aventura atravessar as fazendas em busca de passageiros. Mas a paisagem é o melhor colírio.
Ainda pude ouvir o som dos sinos da capela, atravessar todo o vilarejo, convidando os fiéis ao encontro com Deus. E nos horários pré-determinados, anunciam com suas badaladas angelicais que o início da missa se aproxima e grande parte da comunidade se apresenta com muito respeito. É hora sagrada, reservada para o encontro com Deus. Vi que ainda existe casais, por mais idosos que sejam, se aproximando, vindo de todos os lados, de mãos dadas, atraídos pelas badaladas do sino como se fosse a hora mais sagrada para eles, a hora da missa. Vi os senhores, ao adentrarem na capela, tirarem seus chapéus, curvarem suas frontes e em total silêncio ouviam o sermão do padre. O temor a Deus é o princípio da sabedoria.
Vi que ainda existe as quermesses, os bingos, sem aquela ganância por ganhar dinheiro, mas pelo simples prazer de estar com os amigos e vizinhos, mesmo que seja para concorrer a um simples frango assado ou um bolo qualquer, oferecido por alguém da comunidade. Vi também o esforço do homem do campo que na sua simplicidade, luta sob um sol escaldante e nunca reclama ou murmura, mas apenas agradece ao Criador por ter o que comer, vestir e poder viver humildemente com a mulher e filhos. Vi que ainda existem crianças que se escondem atrás da saia da mãe com vergonha de pessoas estranhas e não ousam nem responder o que se pergunta de tão vergonhosas que são.
Vi que ainda existe comerciante que anota suas contas a receber em pequenas cadernetas, e o mais impressionante é que não existe a necessidade de cobrança, religiosamente todos os dias de pagamento os devedores efetuam seus compromissos sem atraso. Vi que ainda existe o compromisso da palavra e que ela é mais importante do que qualquer contrato firmado entre as partes. O importante é o ser e não o ter. Vi que ainda existe as tradições familiares, religiosas, folclóricas, serem praticadas e até mesmo, cultivadas pelas gerações que se seguem. Vi que ainda existe a solidariedade e a humanidade de igual modo serem praticadas sem mesmo se conhecer por tais nomes, era algo intrínseco naquelas pessoas.
A chuva que rapidamente caia, mesmo torrencial, da mesma forma que descia era rapidamente absorvida pela terra. Não havia enchentes ou alagamentos. O barro nos pés era um claro sinal do favor da chuva. Chuvas de bençãos para o homem do campo.
As crianças, assim como na minha infância, saiam às ruas logo após as chuvas, e brincavam admiradas deslumbrando-se com o arco-íris que surgia. Com os pés descalços, corriam sem as preocupações com doenças, sem medo de se cortarem, subiam e desciam as ruas com bicicletas, bolas e bolinhas de gude e tantas outras brincadeiras, era o tempo de ser criança. Enfim, vi que ainda existe um mundo diferente de pessoas iguais.
Mas, infelizmente, também vi que chegou o asfalto, e junto com ele, em nome do progresso, chegaram também seus males. A velocidade dos carros cortando a rua principal aumentou. Chegaram as lombadas, os quebra-molas para reduzir tal velocidade. Chegou a usina de cana-de-açúcar. Chegou mais gente para trabalhar no campo. Chegou mais bebida, precisa-se de mais divertimentos. Chegou o som tunado, ainda que timidamente, nos carros de alguns cow-boys. Chegaram as drogas, que sorrateiramente, vem tentando usurpar os jovens do campo. Chegou o medo. A violência está se aproximando. As janelas começaram a ser fechadas ao cair da noite.
Os olhares, antes admiradores e felizes pela presença de uma pessoa estranha, está começando a ser um olhar frio e de desconfiança. O celular está ganhando as esquinas e as esquinas, estão ganhando as meninas cada vez mais cedo. As tribos estão invadindo a roça.
O falar simples das pessoas simples está dando lugar à gíria, ao palavrão e a mentira. Nunca se falou tanto e não se entende nada. Chegou também a pirataria, chegou a internet, a conversa face a face perderá para o chat. O “ficar” chegou para ficar e agora é passatempo. Os jovens estão ficando por ficar. Ficam doentes, depressivos, rebeldes, mal educados, com muitas amizades mas com poucos amigos e cada vez mais solitários.
O mundo está adquirindo o progresso e esse por sua vez afastando a humanidade de si mesma. Nunca fomos tão livres exteriormente e ao mesmo tempo tão prisioneiros interiormente. Mas não quero pensar muitos nessas coisas, elas fazem parte do mundo moderno, antes preciso me aproveitar das coisas boas que ainda existem nas cidades interioranas. Quero continuar me apaixonando pelo céu estrelado ao observar miríades de constelações iluminando o universo. Quero continuar encantado com o pôr do sol das belas tardes que surge avermelhado por entre as árvores e refletindo uma ternura indescritível nas águas do rio tietê, confirmando uma vez mais a existência do Criador. Quero percorrer com os meus netos, depois da chuva, as poucas ruas enlameadas que ainda existe por lá, para simplesmente, sorrir divertindo-me com eles.

Quero, da mesma maneira, passear pelo campo, de mãos dadas com a esposa, desafiando a idade, seguindo nossa trajetória de vida, cultivando o amor, sem medo do futuro dos filhos, sem ansiedades, sem rancores, apenas desfrutando da vida e do seu Criador. Não é sonho, é desejo. Eu vi que esse mundo ainda existe, mas até quando? Espero que pelo menos, até o próximo ano, quando pra lá, eu,...de férias voltar...

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