quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Era de trevas

Noite escura. A lua esconde seu fulgor por detrás de um quarto minguante. Ouvem-se ao fundo uivos de lobos assustadores e famintos. Pessoas fogem do desconhecido cada vez mais próximo de alcançá-las. A nebulosa propicia o ressurgimento do Nosferatu ainda mais ávido por sangue. Seus caninos brilham diante de uma presa acuada. O nosso imaginário nos remete a caminhar por entre árvores, que sem vento, chacoalham suas folhas, assustando-nos a cada passo, deixando-nos espavoridos nas profundezas do inferno diante de um ser desconhecido. A presa, na maioria dos casos, uma linda jovem, permanece inerte a espera de ser traspassada pelos caninos reluzentes e afiados do cavaleiro das trevas.
Enquanto Nosferatu aprecia a jugular de sua presa, preparando sua mordida fatal para abastecer seu tanque sanguíneo e se manter em pé até que o dia clareie, ficamos na expectativa assim como a jovem, que alguém, antes de sua mordida, crave-lhe um punhal de prata em sua costa. O tempo não passa. Os minutos parecem eternos. A jovem aos poucos vai recobrando os sentidos. Seus olhos vislumbram sombras indecifráveis. O espanto noturno lhe sopra uma brisa tênue de melancolia misturada de pavor. A força de seus músculos ainda não foi totalmente recobrada, sua mente tenta entender o que está acontecendo. Percorre com os olhos algumas imagens que lhe surgem pela frente. De repente, um susto.
Uma mão calçada por luvas negras lhe segura o braço firmemente como se ela fosse fugir a galope. O susto lhe faz entender onde está. A morte lhe sussurra aos ouvidos gargalhadas tenebrosas que seus tímpanos parecem estourar. Os caninos se aproximam de sua jugular. Era o fim inesperado de uma donzela tão linda. Com a outra mão ele segura um cutelo afiado enquanto a donzela aos gritos, ainda sonha em ser libertada por um cavaleiro solitário. O desespero toma conta de todos que assistem aquela cena. Ninguém imagina tal morte. O relógio está preste a bater meia noite. É possível ouvir o tatalar dos ponteiros apressados se aproximando da hora fatídica. O choro é interrompido. Seu semblante se transforma e de repente ouve-se um ruído...ooooohhhhhhh.
Com um estrepitoso arroto ejeta em direção as narinas do vampiresco ser, um forte odor de alho, resultado de uma composição gástrica de pizza recoberta com alho e cebola, embevecida com Coca-Cola. O cheiro deixou a criatura inerte, enquanto a donzela com os olhos fechados, aguardava o golpe ou a mordida fatal. Mas o que se ouviu foi o barulho do cutelo ao cair no chão e do relógio que marcava meia noite. Um vento impetuoso varreu o lugar fúnebre onde se encontrava. Abriu os olhos devagar ao mesmo tempo que sentia a brisa da noite invadir as penumbras e ficou aliviada.
A criatura havia desaparecido. O alho foi a causa. Sem saber o que fazer, ela tenta recobrar as forças e novamente outro susto. Uma mão lhe contorna a cintura. Ela não grita. Põe as duas mãos sobre a boca para abafar o grito, os olhos ficam arregalados e por segundos estarrecida, ela se vira lentamente enquanto a mão lhe contrai. Finalmente quando se vira, relaxa o corpo numa explosão de alegria e felicidade e salta nos braços do seu cavaleiro solitário que acabara de chegar. Seus lábios se unem em um longo beijo apaixonado. O sobrenatural assustou, mas não prevaleceu. A eterna batalha entre o bem e o mal teve novamente um final feliz. Era possível ainda ouvir algumas palmas na plateia enquanto os caracteres subiam na tela anunciando o final de mais um filme de vampiro. Essa tem sido uma forte rotina nas salas de cinema nos últimos anos.
A saga vampiresca tem invadido corações e mentes das pessoas. Desde o amanhecer até ao crepúsculo do dia, passando pela lua nova, deparamos com o senhor dos anéis conversando com o Harry Potter e seus hell boys. A vampirice tomou conta das crianças através de dentes de plástico, miniaturas de bonecos do conde Drácula, máscaras, bruxas e magos fazem parte de brinquedos das inocentes crianças. A lenda está se tornando realidade urbana. O alho, assim como qualquer punhal de prata já não extermina os vampiros. A hora do espanto é a qualquer momento. O pesadelo não é apenas na sexta-feira treze. As noites de terror duram dias inteiros. O dia dos namorados é macabro. Então, antes que o nevoeiro nos enlace ainda mais, vamos sair dessa era das trevas para deixar a luz de Cristo entrar...

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