Acho que todo ser humano já sofreu alguma indisposição
estomacal, se você ainda não passou por isso, talvez não saiba o que é a
famosa dor de barriga. E como dizem os antigos, dor de barriga não dá uma vez
só não. Pouco tempo atrás, li uma crônica do Luiz Fernando Veríssimo, relatando
um fato que aconteceu com ele no aeroporto. Muito hilário. Lembrei-me então do
Juca, um grande amigo meu do tempo que éramos jovens que passou por uma
situação muito constrangedora por causa de uma dor de barriga. Eu até diria que
era mentira se não tivesse presenciado os fatos.
Éramos ainda muito jovens. Havíamos combinado
no dia anterior para saírmos à procura de emprego. Naquele tempo era assim,
íamos de fábrica em fábrica à procura de trabalho. Depois do futebol do domingo
pela manhã, sempre havia o “churrasquinho” no bar. Era acompanhado de
todo tipo de comida e é claro, de cerveja. Juca tinha uma preferência muito
especial por miúdos de frango em particular por moela. Aliás, do frango, ele
somente dispensava as penas e o bico, o resto, com cerveja ia bem, dizia ele.
Juca não perdia um desses encontros no bar. Nesse domingo não foi diferente,
comeu tanta farofa de moela de frango que todos se abismaram.
Juca era daquelas pessoas que estão sempre
alegres. Sorriso fácil, gargalhava por por qualquer coisa. Simpático,
conversava alto, parecia uma pessoa sem problemas. Tinha os dentes
branquíssimos que eram realçados ainda mais pela pele negra. Tinha uns fios de
bigode que cultivava com muito orgulho, passando a cada momento dois dedos
sobre ele como um cacoete. No dia seguinte, na hora combinada, lá estava o Juca
me esperando. Fomos ao bairro onde havia a maior concentração de empresas, mas
notei que algo estranho estava acontecendo com o Juca. O sorriso havia
desaparecido do rosto.
Algum problema Juca, perguntei. Ele me olhou e
nem foi preciso responder pois notei que algo estranho em seu rosto e pela
expressão que fazia denunciava o fato. Ele esboçou um sorriso e disse. Nada...ou
melhor, estou com um pouco de dor de barriga, completou dando três tapinhas
na barriga. Quem quis sorrir agora foi eu ao lembrar-me das moelas do dia
anterior. Não contivemos o sorriso. Mas já passou, disse ele. Essa
noite me senti um verdadeiro rei, passei a noite no trono, disse sorrindo. Mas
já estou bem insistia. Quer voltar, perguntei. Não, vamos embora, já que
estamos aqui vamos em frente. Eu não conseguia me controlar ao ver o Juca
se contorcendo e soltando bombas e fui sentar-me em outra cadeira no coletivo.
De longe eu sorria sozinho.
Será que as moelas de ontem não fizeram bem,
insisti. Ele, brincalhão como era, respondeu que devia ter sido a pimenta, pois
sua barriga estava queimando e que estava soltando muita fumaça pelo
escapamento. Por diversas vezes enquanto caminhava, ele parava e soltava
algumas bombas. Em um desses momentos, a bomba explodiu em suas mãos, ou
melhor, em sua calça. Juca precisava de um banheiro urgente. Não contive o
riso. O semblante do Juca era de pavor. Enquanto estávamos ali pensando no que
fazer, avistei uma fábrica e fui verificar se estavam precisando de
trabalhadores.
Juca ficou pelo caminho se contorcendo de
dores. Viu uma senhora que lavava a calçada de sua casa e pediu para usar o
banheiro. Quando cheguei em frente ao portão da fábrica, ouvi um grito e o
corre-corre de uma mulher atrás do Juca. A cena foi hilária, o Juca todo
borrado, que não podia nem andar, sendo obrigado a correr de uma mulher com uma
vassoura. Eu não sou ladrão...eu não sou ladrão, falava ele enquanto
corria. Precisei explicar para mulher o que tinha acontecido. Ela não entendeu
mas se acalmou. Mostrou uma construção onde alguns operários trabalhavam e
pediu para o Juca falar com o pessoal para poder usar o banheiro da obra.
Depois de autorizado foi ele para o banheiro.
Eram três madeiras fincadas no chão que formavam o banheiro. Mas era tudo o que
ele precisava. Era um buraco no chão da obra. Fiquei ali esperando e alguns
minutos depois ele gritou o meu nome solicitando papel. Perguntei para alguns curiosos
operários se tinha papel higiênico, eles se olharam e apontaram uma pilha de
sacos de cimento vazios. Esse é nosso papel higiênico, me disse um
deles. Pode levar pra ele. Não tinha outra alternativa. Peguei o saco de
cimento vazio, o vento soltou o pó sobre o meu rosto, mas levei ao Juca.
Quando lhe entreguei o saco, ainda com sobras
de cimento por cima da madeira, pois eu não queria ver a cena, ele pegou e
pensando que fosse alguma gozação, perguntou apavorado. Não tem nenhum
pedaço de pano velho. Respondi que não e me aproximei da parte que não
tinha madeira, que era a porta do banheiro e o que vi também foi inesquecível.
Quando joguei o saco, ele caiu em cima do Juca que estava pelado, deixando-o
todo cheio de pó de cimento. Comecei a rir novamente. Juca implorava por um
pedaço de pano. Não tem, é isso que eles usam aqui, afirmei.
Pede para o engenheiro, não é possível que ele
não use papel higiênico pra se limpar, esbravejou. Não tem, usa esse mesmo, respondi.
Ao correr da senhora, a sujeira havia escorrido pelas duas pernas e sujado toda
a sua calça. Acho bom você sair logo daí porque os operários querem usar o
banheiro, falei em tom de brincadeira para deixá-lo mais nervoso ainda. Acho
bom você tirar esse cimento do seu corpo, caso contrário ele vai secar e vai
ficar pior, vai cimentar o seu escapamento, falei somente para irritá-lo. Arruma
depressa então um balde com água com o pessoal, preciso me lavar, implorou
o Juca. Que balde que nada, peguei a mangueira que os operários usavam, e como
um bombeiro comecei a esguichar água no Juca que soltava todo tipo de
impropérios.
Você está molhando minha roupa, gritava ele.
Precisa ser lavada, está suja de m....falei. Como eu vou embora perguntou.
Voltei até a senhora, expliquei a necessidade e a situação do Juca. Ela foi
muito complacente com ele, arrumou uma calça velha, uma camiseta e um pano para
ele se enxugar e eu trouxe. E para sacaneá-lo ainda mais, disse-lhe que a
mulher queria a roupa no dia seguinte lavada. Ele por ser um jovem íntegro, no
dia seguinte foi entregar a roupa. Apenas sei que segundo ele, a mulher não
estava em casa e ele deixou o pacote no quintal e veio embora.
Desmenti a necessidade de devolução das roupas.
Damos risadas até hoje ao lembrar dos fatos. Ele continua comendo muita moela
de frango e já teve dor de barriga outras vezes, mas engraçada como aquela acho
que ainda não...rsrsrsrsrsrs...
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