terça-feira, 18 de agosto de 2015

Gastronomia das calçadas

É impossível se viver em uma cidade grande e não acompanhar o seu ritmo alucinante. Cada dia que inicia parece que temos menos tempo para viver. Se tivéssemos um dia de vinte cinco ou trinta horas, ainda reclamaríamos da falta de tempo para executar tantas tarefas e administrar os problemas que surgem. As horas passam depressa, é preciso remir o nosso tempo, aproveitá-lo melhor para não sermos engolidos por ele. E por falar em ser engolidos, tenho percebido que por causa dessa velocidade urbana, as pessoas estão engolindo tudo o que aparece pela frente. Muitos trabalhadores que saem cedo para o serviço, nem mesmo têm tempo para um cafezinho em casa. A falta de tempo é a nossa principal justificativa para algumas atitudes que tomamos.
Atentos a fatia de mercado dessas pessoas que não tem tempo, foi que muitos desempregados e algumas senhoras, espalharam carrinhos, bancas e mesas pelas ruas e calçadas nas imediações da maioria das estações do metrô, comércios e hospitais. A procura é relativa a oferta. Ou seja, se come de tudo que se apresentam nessas improvisadas barraquinhas. Tapiocas, cuzcuz, pão com manteiga, pão de queijo, bolo caseiro, toma-se café, café com leite, sucos, chás, come-se amendoim, pipoca e até sopa em copo descartável é servido nas calçadas. Tudo isso sem falar na culinária rural, sazonal, regional e até mesmo da internacional como milho cozido, pamonhas, arroz doce, canjica, cocada bahiana, castanha do Pará, yakisoba, churrasco grego no pão sírio e por ai vai. Há também os temperos e condimentos com os diversos tipos de pimenta, as frutas, os doces etc...
A concorrência está acirrada. Dentro de alguns dias teremos self-service em plena calçada. No horário do almoço é possível encontrar várias senhoras com seus carrinhos cheios de marmitex para abastecer o comércio ambulante das calçadas. Os preços são módicos, condizente com a qualidade e com o público que dele se abastece. O importante é não passar fome, dizia um desses ambulantes que saboreava um marmitex, agarrado a uma coxa de frango cozida e com arroz amarelado pelo excesso de molho do frango. Em seguida passava uma garota gentilmente oferecendo um copo de café ao cliente, tudo por conta da casa, afirmava aos que haviam comprado o marmitex. No decorrer da tarde é possível adquirir a qualquer momento, balas de coco, trufas, doces e lanches para o café da tarde. No final do dia e no começo da noite, na volta para casa, o trabalhador ainda pode comer um churrasquinho acompanhado de um aperitivo para fechar o dia.
A gastronomia da calçada está ficando cada vez mais sofisticada e diversificada, atingindo um público mais exigente. Certa manhã quando me dirigia ao trabalho, nas proximidades de uma estação do metrô, vi um conglomerado de pessoas que concorriam para se abastecer de um sanduíche natural que era servido por dois jovens. O que chamou a minha atenção era que as pessoas ao redor dos rapazes, também eram jovens, estudantes e trabalhadores com suas mochilas que parecia que tinham feito a opção de tomar o café na calçada. Nos dois rapazes que serviam, além da qualidade do produto, havia um outro diferencial entre todos os que ofereciam seus lanches. Usavam aventais brancos toucas nas cabeças, um deles usava luvas plásticas, o que servia o lanche, e o outro, apenas manuseava o dinheiro e servia o café, tudo n'uma perfeita sincronia.
Um saco para depositar o lixo estava ao lado deles e pude notar várias caixas vazias de sucos de frutas jogadas no lixo. Era um produto a mais que era oferecido que eles trouxeram para atender seus clientes. Havia guardanapos, canudinhos para quem preferisse, catchup e mostarda a vontade e talvez o mais importante, tudo limpo. Eu parei, vi os diversos tipos de lanches que eram oferecidos, o atendimento cordial dos rapazes, notei que eram dois estudantes que com isso estavam custeando seus estudos. Engoli seco com vontade de saborear um daqueles lanches, mas eu era um privilegiado. Nesse dia, antes de sair, eu havia saboreado um gostoso bolo de fubá cremoso feito pela esposa e até exagerei no pedaço, por essa razão, me contive. Depois dessa cena acredito que em brevíssimo tempo veremos altos executivos saindo de seus carrões blindados para fazerem suas refeições nas calçadas.
As calçadas das alamedas, ruas e avenidas dos bairros nobres ficarão repletas de pessoas pedindo seus lanches...um de picanha por favor...um salmão grelhado para mim...me passe o molho madeira por favor...um sanduíche de queijo parmesão acompanhado de uma garrafa de vinho cheval-blanc no banquinho dois...é não sabemos onde pode chegar essa gastronomia das calçadas...


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