segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Falando sozinho

Um dia desses, enquanto caminhava de volta para casa, acompanhando a multidão que seguia no mesmo trajeto, onde eu era apenas mais um no meio do povo, um fato interessante e curioso me chamou a atenção. Apesar da agitação e da pressa, dos carros, dos semáforos, as pessoas seguiam conversando pelas calçadas sem perder o passo. Sem que eu percebesse, ao meu lado encostou um jovem e começou a falar sobre um assunto desconhecido para mim. Eu não entendia, apesar de rápida a linguagem e nem mesmo o conteúdo de suas palavras. Ele durante alguns segundos começou contar uma história como se eu lhe fosse muito íntimo. Fiquei um pouco temeroso e desconfiado, mas, não deu tempo de pensar ou de entender no momento o que estava acontecendo. O fato é que quando eu quis lhe dar atenção, pelo menos para saber se ele não estava equivocado, conversando com a pessoa errada, e até mesmo falando coisa que não devia, foi então que entendi o que aconteceu.
Devido a pressa e a quantidade de pessoas que seguiam na mesma direção, cada uma querendo ultrapassar a outra, dois jovens se distraíram, e um deles, por causa da multidão, ficou um pouco mais para trás enquanto o outro se distanciou e me alcançou mais a frente. Quando o que ficara para trás percebeu a falta do amigo o procurou e o alcançou mais adiante, ao meu lado. O fulano, disse, o que ficara para trás citando o nome do companheiro, você me deixou falando sozinho. Foi então que o rapaz que tentava conversar comigo percebeu o engano, me pediu desculpas e seguiram, se perdendo entre a multidão apressada. Fiz apenas um sinal com a mão querendo dizer que estava tudo bem e segui sendo empurrado pelos demais pedestres. Fiquei pensando em quantas vezes fato semelhante já havia acontecido comigo e acredito que muita gente já se deparou com essa situação, falando sozinho. Esse pequeno episódio me levou a refletir, não no fato dos amigos se perderem um do outro em meio a multidão, isso é muito comum, mas no que o rapaz falou ao outro: você me deixou falando sozinho. No trajeto fui notando diversas pessoas falando aparentemente sozinhas. Algumas cruzavam o meu caminho falando ao telefone que parecia que falavam sozinhas. Mãos nos bolsos, mochilas nas costas, fones nos ouvidos e conversavam com alguém em outro lugar enquanto caminhavam. Notei um pedinte, parado em meio a multidão apressada, falando sozinho como se conversasse com alguém. Em seu mundo distante ele tinha com quem falar. Mais adiante, em um grande cruzamento, vi as pessoas cruzarem de um lado para outro da rua mesmo sem ter o semáforo aberto dando-lhe passagem e muitas falando ao telefone ou com alguém ao lado. Há muita conversa, mas, pouco entendimento. No mesmo lugar, um pregador, em um esforço descomunal, tentava fazer com que as simples palavras fossem ouvida por alguém. Assim como a maioria, eu segui meu caminho e também o deixei falando sozinho, ou melhor gritando sozinho. Passei também por uma senhora, aparentemente normal, mas, não sei qual a razão, problema ou situação, falava sozinha. Ainda procurei certificar-me se não falava ao telefone. Prossegui refletindo nas circunstâncias encontradas pelo caminho e fiquei ainda mais impressionado, não com o fato das pessoas estar falando sozinhas, mas, com o fato de não haver ninguém para escutá-las. Quantas pessoas estão querendo desabafar, tirar um peso de cima de si, contar um problema, pedir uma ajuda, mas, estamos como a multidão apressada e não damos ouvidos aos clamores de nossos semelhantes. Estamos falando cada vez mais alto e ouvindo cada vez menos. Clamamos por socorro, mas a resposta é o silêncio. É possível até ouvi-lo. Ouvimos músicas e piadas e não ouvimos as pessoas gritando. Ouvimos notícias ruins e cerramos nossos ouvidos ao clamor humano. Lembro-me de um programa na tv onde as pessoas podiam falar e sempre tinha alguém para ouvi-las, não sei se ainda existe ou se também cansaram de ouvir. Falar é um dom, ouvir é uma virtude. Quantos estão sufocados com suas ansiedades, angústias, necessidades, temores e em problemas e não encontram alguém para ouvi-las. Talvez sejamos nós uma dessas pessoas. Foi então que fiquei irradiante pois eu era um privilegiado. Em meio da multidão cega e surda que seguia sem saber para onde, eu tinha uma pessoa que me escutava a qualquer momento e me pedia para ir até ele quando me encontrasse cansado, angustiado, sobrecarregado que ele me seria descanso para a alma. Os seus ouvidos não estão agravados para que não possa ouvir e nem os seus braços encolhidos que não possa acolher. Os seus ouvidos para nós ele inclinou. Portanto, quando ninguém nos ouvir, é esse o momento que temos para recorrer a ele, porque quem fez o ouvido, não ouvirá? Ele é onipresente...Ele é Deus...

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