Um dia
desses, enquanto caminhava de volta para casa, acompanhando a
multidão que seguia no mesmo trajeto, onde eu era apenas mais um no
meio do povo, um fato interessante e curioso me chamou a atenção.
Apesar da agitação e da pressa, dos carros, dos semáforos, as
pessoas seguiam conversando pelas calçadas sem perder o passo. Sem
que eu percebesse, ao meu lado encostou um jovem e começou a falar
sobre um assunto desconhecido para mim. Eu não entendia, apesar de
rápida a linguagem e nem mesmo o conteúdo de suas palavras. Ele
durante alguns segundos começou contar uma história como se eu lhe
fosse muito íntimo. Fiquei um pouco temeroso e desconfiado, mas, não
deu tempo de pensar ou de entender no momento o que estava
acontecendo. O fato é que quando eu quis lhe dar atenção, pelo
menos para saber se ele não estava equivocado, conversando com a
pessoa errada, e até mesmo falando coisa que não devia, foi então
que entendi o que aconteceu.
Devido
a pressa e a quantidade de pessoas que seguiam na mesma direção,
cada uma querendo ultrapassar a outra, dois jovens se distraíram, e
um deles, por causa da multidão, ficou um pouco mais para trás
enquanto o outro se distanciou e me alcançou mais a frente. Quando o
que ficara para trás percebeu a falta do amigo o procurou e o
alcançou mais adiante, ao meu lado. O fulano, disse, o que ficara
para trás citando o nome do companheiro, você me deixou falando
sozinho. Foi então que o rapaz que tentava conversar comigo percebeu
o engano, me pediu desculpas e seguiram, se perdendo entre a multidão
apressada. Fiz apenas um sinal com a mão querendo dizer que estava
tudo bem e segui sendo empurrado pelos demais pedestres. Fiquei
pensando em quantas vezes fato semelhante já havia acontecido comigo
e acredito que muita gente já se deparou com essa situação,
falando sozinho. Esse
pequeno episódio me levou a refletir, não no fato dos amigos se
perderem um do outro em meio a multidão, isso é muito comum, mas no
que o rapaz falou ao outro: você me deixou falando sozinho.
No trajeto fui notando diversas pessoas falando aparentemente
sozinhas. Algumas cruzavam o meu caminho falando ao telefone que
parecia que falavam sozinhas. Mãos nos bolsos, mochilas nas costas,
fones nos ouvidos e conversavam com alguém em outro lugar enquanto
caminhavam. Notei um pedinte, parado em meio a multidão apressada,
falando sozinho como se conversasse com alguém. Em seu mundo
distante ele tinha com quem falar. Mais adiante, em um grande
cruzamento, vi as pessoas cruzarem de um lado para outro da rua mesmo
sem ter o semáforo aberto dando-lhe passagem e muitas falando ao
telefone ou com alguém ao lado. Há muita conversa, mas, pouco
entendimento. No
mesmo lugar, um pregador, em um esforço descomunal, tentava fazer
com que as simples palavras fossem ouvida por alguém. Assim como a
maioria, eu segui meu caminho e também o deixei falando sozinho, ou
melhor gritando sozinho. Passei também por uma senhora,
aparentemente normal, mas, não sei qual a razão, problema ou
situação, falava sozinha. Ainda procurei certificar-me se não
falava ao telefone. Prossegui refletindo nas circunstâncias
encontradas pelo caminho e fiquei ainda mais impressionado, não com
o fato das pessoas estar falando sozinhas, mas, com o fato de não
haver ninguém para escutá-las. Quantas pessoas estão querendo
desabafar, tirar um peso de cima de si, contar um problema, pedir uma
ajuda, mas, estamos como a multidão apressada e não damos ouvidos
aos clamores de nossos semelhantes. Estamos falando cada vez mais
alto e ouvindo cada vez menos. Clamamos
por socorro, mas a resposta é o silêncio. É possível até
ouvi-lo. Ouvimos músicas e piadas e não ouvimos as pessoas
gritando. Ouvimos notícias ruins e cerramos nossos ouvidos ao clamor
humano. Lembro-me de um programa na tv onde as pessoas podiam falar e
sempre tinha alguém para ouvi-las, não sei se ainda existe ou se
também cansaram de ouvir. Falar é um dom, ouvir é uma virtude.
Quantos estão sufocados com suas ansiedades, angústias,
necessidades, temores e em problemas e não encontram alguém para
ouvi-las. Talvez sejamos nós uma dessas pessoas. Foi então que
fiquei irradiante pois eu era um privilegiado. Em meio da multidão
cega e surda que seguia sem saber para onde, eu tinha uma pessoa que
me escutava a qualquer momento e me pedia para ir até ele quando me
encontrasse cansado, angustiado, sobrecarregado que ele me seria
descanso para a alma. Os seus
ouvidos não estão agravados para que não possa ouvir e nem os seus
braços encolhidos que não possa acolher. Os seus ouvidos para nós
ele inclinou. Portanto, quando ninguém nos ouvir, é esse o momento
que temos para recorrer a ele, porque quem fez o ouvido, não ouvirá?
Ele é onipresente...Ele é Deus...
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