Ainda não era sete horas da manhã. O vento frio
que soprava deixava meu rosto muito mais gelado do que demonstravam os
termômetros. A passos largos caminhava para alcançar a escada que me separava
do ponto inicial do transporte coletivo. De repente uma cena distraiu-me a
atenção. Era de um rapaz forte, maltrapilho, sem camisa, acho que pelo corpo
atlético não passava dos trinta anos, mas devido aos sofrimentos da vida e de
todas as intempéries do tempo, sua aparência parecia ser bem mais velho. Mas
ele caminhava resoluto acompanhado por dois cães sujos e magros, de pelos
ralos, amarrados cada um ao lado da sua carrocinha, que a cada parada que ele
fazia para descansar as mãos grossas e calejadas, os cães aproveitavam para se
coçar de tanta pulgas e outros parasitas que traziam em seus corpos. Ele não se
importava com isso. Tratava os cães com um afago impressionante e eles retribuíam
lambendo-lhes as mãos e balançando o rabo como uma aprovação e recompensa pelo
carinho recebido.
Apesar do esforço que ora fazia, resplandecia
do seu ser uma pessoa feliz. Cumprimentava a todos que por ele passava.
Conversava de longe com os motoristas do ponto de táxi, com os passageiros do
coletivo que formavam uma fila bem pertinho dele, cantava, brigava com os cães
e por algumas vezes deu longos tragos em um líquido que me deixou com a certeza
de ser cachaça. Talvez residisse ai tanto calor naquele frio. Ali estava
uma pessoa que parecia não se preocupar com nada. Para ele não tinha
importância o valor do dólar, o preço da gasolina, do álcool, dos alimentos, se
a bolsa de valores subiu ou caiu. Ele estava imune a inflação, ao preço do
petróleo, aos produtos transgênicos, ao trânsito, nada aparentemente o
preocupava, exceto os seus cães. Com a sua carrocinha repleta de tranqueiras,
ele seguia cantando e conversando com os animais.
Parecia que precisava de muito pouco, ou quase
nada, para ser feliz, se é que era feliz ninguém sabe o interior de ninguém.
Era mais um entre milhões de cidadãos relegados e soltos a mercê da sorte e do
destino. Era mais um entre tantos com sua carrocinha lutando para sobreviver.
Era mais um homem se entregando aos braços da cachaça e sem sonhos
interiores, lutando apenas com suas forças físicas na dura rotina em busca de
si mesmo e da sua sobrevivência. Entre um gole e outro, ele seguia acompanhado
pelos cães e sob olhares perplexos e indignados de transeuntes engravatados que
assim como eu, pareciam mergulhados nos pensamentos, buscando uma resposta para
aquela cena. Mas era algo notório o resplendor de felicidade que emanava do seu
rosto. Não tinha olhar sisudo como alguns na fila do coletivo não tinham
preocupações exteriores que com facilidade se notava nos normais. Aqueles
normais e certinhos cidadãos educados que observavam aquele homem, ao virem sua
alegria radiante, o estereotipavam de louco.
Sempre ouvi dizer que os loucos é que estavam
certos, pois faziam o que queriam e eram eles mesmos. Mas notei pelos olhares,
que o certo é não ser louco, pois o louco não está certo na concepção de certos
loucos. Alguns meneavam suas cabeças em total desaprovação ao serviço a que se
prestava aquele homem jovem. Os comentários iam surgindo e cada pessoa ali na
fila ia dando suas interpretações e tirando conclusões precipitadas de uma
situação que ninguém conhecia. Tem louco pra tudo, dizia uma mocinha. É mais um
nóia, afirmava o rapaz que a acompanhava. A essa hora sem camisa, só
pode estar bêbado, concluiu uma outra senhora dirigindo-me o seu olhar. Fiquei
calado sem emitir nenhum comentário apenas sorri meio de soslaio e pensei em
tantos, como esse, que andavam pelo mundo afora.
Duraram por alguns minutos os comentários.
Culpava-se o governo, a família, a sociedade, o sistema do mundo, como se todos
ali fossem isentos de qualquer culpa. Até o próprio Deus, o único que com
certeza não tinha culpa alguma, recebeu sua parcela no julgamento daquelas
pessoas. Não sei como Deus não vê uma coisa dessas, esbravejou uma senhora
gorda ao lado. Afirmava com tanta convicção que parecia ser muito íntima do
Criador conhecendo todos os seus desígnios. Falava como se Ele não existisse. O
rapaz prosseguiu seu caminho cantarolando suas canções aos cães e nós ficamos
ali, pasmos, com nossas interrogações e indagações sem sentido e
desnecessárias, colocando sobre nossos próprios ombros uma responsabilidade
tola e até mesmo culpa tão descabidas. Chegou o coletivo mas os comentários não
pararam. Já dentro do ônibus podia se ouvir um palavreado sem conteúdo. E
quando o coletivo seguiu que alcançou o homem rua acima, as pessoas ao avistarem
teceram mais comentários. Eu me controlei e não quis entrar naquela
controvérsia.
Mas um senhor que ao meu lado se sentara, o mesmo ao qual a senhora gorda dirigiu a palavra falando sobre Deus, questionou comigo, ainda que timidamente a respeito do comentário da senhora. Onde já se viu as pessoas culparem Deus por essas coisas. Antes que eu respondesse a seu comentário, ele insistiu. Deus tem coisas mais importantes do que essas para olhar. Isso é problema dos nossos governantes. Eles sim, são os culpados pela miséria do povo e não Deus, completou orgulhoso do que afirmara. Concordei com ele a respeito da responsabilidade política, e sobre Deus, dei o meu parecer. Disse-lhe em poucas palavras que Deus, apesar de não parecer para muitos preocupa-se com o homem e sem acepção. E não se alegra com essas cenas e com essas dificuldades que muitos se encontram.
Mas um senhor que ao meu lado se sentara, o mesmo ao qual a senhora gorda dirigiu a palavra falando sobre Deus, questionou comigo, ainda que timidamente a respeito do comentário da senhora. Onde já se viu as pessoas culparem Deus por essas coisas. Antes que eu respondesse a seu comentário, ele insistiu. Deus tem coisas mais importantes do que essas para olhar. Isso é problema dos nossos governantes. Eles sim, são os culpados pela miséria do povo e não Deus, completou orgulhoso do que afirmara. Concordei com ele a respeito da responsabilidade política, e sobre Deus, dei o meu parecer. Disse-lhe em poucas palavras que Deus, apesar de não parecer para muitos preocupa-se com o homem e sem acepção. E não se alegra com essas cenas e com essas dificuldades que muitos se encontram.
Foi por essa mesma razão que um dia Ele se fêz
homem e na pessoa de Jesus, seu filho, veio resgatar o homem da sua vã maneira
de viver. Ele não esperava que eu lhe falasse com essa intrepidez. Olhou-me
mais atenciosamente, se ajeitou em seu lugar, e eu continuei falando.
Mostrei-lhe que Deus, realmente, conforme ele mesmo dissera, tem coisas muito
mais importantes em que se preocupar e uma delas, talvez a mais importante,
seja o seu reino aqui na terra onde habita a justiça. E nós que acreditamos em
Deus, somos cidadãos do reino dos céus aqui na terra. Então cabia a nós
fazermos a justiça que procede de Deus. Eu mudando minhas atitudes, posso mudar
o mundo, falei. Não será necessário ação política ou qualquer fator exterior.
Depende de nós. Com respeito àquela cena que presenciamos, somos realmente
incapazes de fazer alguma coisa.
Mas quando reconhecemos nossa total incapacidade,
precisamos imediatamente, reconhecer a capacidade de Deus. Insinuei que as
pessoas não são capazes nem de deixar de fumar, que era o caso daquela senhora,
como poderiam depositar tamanha questão sobre os governantes e políticos e até
mesmo sobre os ombros de Deus? ou seja, se vivermos pela vida de Deus em nós,
muitos problemas sérios da humanidade teriam solução imediata. Talvez naquele
momento ele não entendesse nada do que eu falei, e muitos ao lerem essas linhas
também não entendam. Mas o fato é que Deus quer viver por intermédio de cada um
de nós. Somente assim, com a vida Dele crescendo em nós, essas cenas e outras
coisas que achamos injustas, um dia terão fim. Porque Deus é justiça, é amor, é
paz, é vida, é misericórdia, é tudo o que precisamos. E assim seguimos cada um
o seu destino naquele dia. Mas espero que um dia o nosso destino seja o próprio
Deus.
Nessa ocasião agradeci muito mais a Deus por um
dia ter me encontrado, e mudado o meu destino e a história da minha vida, e em
uma oração silenciosa, pedi-Lhe que olhasse para todos os homens, inclusive
aqueles com as suas carrocinhas...
Nenhum comentário:
Postar um comentário