quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O uniforme azul

Certo dia ao acompanhar uma reportagem de como as pessoas que nos cercam e que influenciam o nosso cotidiano não são notadas, mesmo prestando serviço de grande importância. Por vestirem uniformes, somente visualizamos o exterior e não percebemos o interior dessas pessoas. Não percebemos que por detrás de uma vida existe uma história. O jornalista que fazia a matéria levou um gari que diariamente limpava a rua em frente a uma lanchonete, e todos os dias era servido com um cafezinho de cortesia, conversava com os atendentes e seguia o seu trabalho.
Nessa dia da reportagem o jornalista o produziu com uma roupa comum, ou seja, tirou-lhe o uniforme e o vestiu como cidadão comum. Na mesma lanchonete e com o mesmo atendente eles conversaram sobre os mesmos assuntos, mas o atendente não percebeu com quem falara. Precisou da intervenção do jornalista relembrar as conversas dos dias anteriores para que o gari fosse reconhecido. Impressionante como o uniforme fazia a diferença, ou seja, o gari era visto exteriormente pelo que ele fazia e não pelo que ele era.
Fiquei pensando comigo que aquilo não aconteceria somente com aquele atendente, mas com qualquer outra pessoa, pois somos todos iguais. Os médicos se preocupam mais com a doença do que com o doente. Os professores mais com a matéria do que com os alunos, o chefe mais com o serviço do que com o funcionário, claro que isso não é regra, mas enfim, o que fazemos sobressai ao que somos. Definimos as pessoas de acordo com o que elas vestem. Muitos podem comprar roupas de marcas mas não o seu conforto. Me coloquei no lugar daquele atendente e percebi que eu agiria do mesmo modo.
Isso foi comprovado comigo. Ontem a noite, na nossa festa de confraternização do pessoal aqui do escritório, havia um churrasco, um joguinho de futebol, o truco, a alegria e descontração eram evidentes assim como as despreocupações com as coisas relacionadas ao trabalho. Vários funcionários compareceram com a sua alegria, inclusive alguns da limpeza, pessoal de suma importância para o bom andamento da empresa. Combinei com meus filhos e fomos direto do trabalho para a festa. Abraços, sorrisos, desejos de boas festas, o clima era de total euforia. Nada lembrava o clima tenso de um escritório. Era alguns que sairiam de férias, outros que outrora trabalharam na empresa e vieram rever os amigos, enfim, o natal parecia haver chegado mais cedo e a alegria do mês de dezembro contagiava todos.
Estava eu ali assistindo ao futebol quando vi se aproximar um garota feliz por ter encontrado alguém conhecido. Ela parou em minha frente e comentou que felizmente havia nos encontrado em meio a tanta gente que havia no lugar. Eu fiquei surpreso e por alguns instantes não disse nenhuma uma palavra pois achei que ela havia me confundido com alguém que ela conhecia. Diante da minha paralisia ela me perguntou pelo pessoal da empresa. Tive a certeza que havia alguma confusão da parte dela. Perguntei de onde ela me conhecia pois eu não a conhecia. Ela emudeceu quando eu falei que não lhe conhecia. Meus filhos olharam surpresos.
Foi então que ela falou da empresa e disse-me que eu estava acostumado a vê-la com o uniforme azul...Não precisou continuar, imediatamente a sua imagem com o uniforme azul preencheu a minha mente. Tentei me desculpar, mas o meu constrangimento foi maior do que qualquer aceitação de desculpa por parte dela. E para justificar a minha consciência, a elogiei dizendo que ela estava muito bonita e diferente sem o seu uniforme azul. E diante da sua simplicidade e do meu constrangimento, conduzi-a para junto dos demais amigos.

Lembrei-me então do jornalista e da sua reportagem, notei que era a primeira vez que eu realmente havia olhado no rosto da garota sem o uniforme azul. Todos os dias ela está presente, mas eu apenas via o uniforme azul e não seu conteúdo. Vi que por dentro de um uniforme, há uma pessoa, e que por dentro de cada pessoa existe um ser humano igual a mim. Talvez alguém de uniforme seja superior a mim em sua função, mas com ou sem uniforme, somos todos seres humanos e da mesma espécie...

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