Certo
dia ao acompanhar uma reportagem de como as pessoas que nos cercam e
que influenciam o nosso cotidiano não são notadas, mesmo prestando
serviço de grande importância. Por vestirem uniformes, somente
visualizamos o exterior e não percebemos o interior dessas pessoas.
Não percebemos que por detrás de uma vida existe uma história. O
jornalista que fazia a matéria levou um gari que diariamente limpava
a rua em frente a uma lanchonete, e todos os dias era servido com um
cafezinho de cortesia, conversava com os atendentes e seguia o seu
trabalho.
Nessa
dia da reportagem o jornalista o produziu com uma roupa comum, ou
seja, tirou-lhe o uniforme e o vestiu como cidadão comum. Na mesma
lanchonete e com o mesmo atendente eles conversaram sobre os mesmos
assuntos, mas o atendente não percebeu com quem falara. Precisou da
intervenção do jornalista relembrar as conversas dos dias
anteriores para que o gari fosse reconhecido. Impressionante como o
uniforme fazia a diferença, ou seja, o gari era visto exteriormente
pelo que ele fazia e não pelo que ele era.
Fiquei
pensando comigo que aquilo não aconteceria somente com aquele
atendente, mas com qualquer outra pessoa, pois somos todos iguais. Os
médicos se preocupam mais com a doença do que com o doente. Os
professores mais com a matéria do que com os alunos, o chefe mais
com o serviço do que com o funcionário, claro que isso não é
regra, mas enfim, o que fazemos sobressai ao que somos. Definimos as
pessoas de acordo com o que elas vestem. Muitos podem comprar roupas
de marcas mas não o seu conforto. Me coloquei no lugar daquele
atendente e percebi que eu agiria do mesmo modo.
Isso
foi comprovado comigo. Ontem a noite, na nossa festa de
confraternização do pessoal aqui do escritório, havia um
churrasco, um joguinho de futebol, o truco, a alegria e descontração
eram evidentes assim como as despreocupações com as coisas
relacionadas ao trabalho. Vários funcionários compareceram com a
sua alegria, inclusive alguns da limpeza, pessoal de suma importância
para o bom andamento da empresa. Combinei com meus filhos e fomos
direto do trabalho para a festa. Abraços, sorrisos, desejos de boas
festas, o clima era de total euforia. Nada lembrava o clima tenso de
um escritório. Era alguns que sairiam de férias, outros que outrora
trabalharam na empresa e vieram rever os amigos, enfim, o natal
parecia haver chegado mais cedo e a alegria do mês de dezembro
contagiava todos.
Estava
eu ali assistindo ao futebol quando vi se aproximar um garota feliz
por ter encontrado alguém conhecido. Ela parou em minha frente e
comentou que felizmente havia nos encontrado em meio a tanta gente
que havia no lugar. Eu fiquei surpreso e por alguns instantes não
disse nenhuma uma palavra pois achei que ela havia me confundido com
alguém que ela conhecia. Diante da minha paralisia ela me perguntou
pelo pessoal da empresa. Tive a certeza que havia alguma confusão da
parte dela. Perguntei de onde ela me conhecia pois eu não a
conhecia. Ela emudeceu quando eu falei que não lhe conhecia. Meus
filhos olharam surpresos.
Foi
então que ela falou da empresa e disse-me que eu estava acostumado a
vê-la com o uniforme azul...Não precisou continuar, imediatamente a
sua imagem com o uniforme azul preencheu a minha mente. Tentei me
desculpar, mas o meu constrangimento foi maior do que qualquer
aceitação de desculpa por parte dela. E para justificar a minha
consciência, a elogiei dizendo que ela estava muito bonita e
diferente sem o seu uniforme azul. E diante da sua simplicidade e do
meu constrangimento, conduzi-a para junto dos demais amigos.
Lembrei-me
então do jornalista e da sua reportagem, notei que era a primeira
vez que eu realmente havia olhado no rosto da garota sem o uniforme
azul. Todos os dias ela está presente, mas eu apenas via o uniforme
azul e não seu conteúdo. Vi que por dentro de um uniforme, há uma
pessoa, e que por dentro de cada pessoa existe um ser humano igual a
mim. Talvez alguém de uniforme seja superior a mim em sua função,
mas com ou sem uniforme, somos todos seres humanos e da mesma
espécie...
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