Justo
na minha vez pensei. Inclinei-me em um gesto de cortesia e
estendi-lhe a mão concedendo-lhe a primazia no atendimento. Ela
sorriu, aliás, era algo forte e marcante em seu rosto. Obrigada,
respondeu-me sorrindo. Em passos lentos, (para a minha idade, mas
normalíssimo para a dela) se esforçou para chegar até o caixa.
Vestida elegantemente com um longo vestido florido, uma grande bolsa
preta pendurada no braço, ainda reluzindo o brilho do verniz, no
rosto óculos grandes e escuros, um chapéu inclinado que permitia
visualizar um caprichado penteado, e uma forte maquiagem que não a
deixava esconder o tempo que havia passado. Trazia pendurado ao
pescoço um enorme colar que parecia de pérolas (se era bijuteria ou
joia) eu não sabia precisar.
No
braço esquerdo além da grande bolsa preta, um belo relógio e anéis
enormes complementavam o visual. As unhas bem pintadas de um vermelho
escarlate facilmente se podiam notar. Era uma dama, ou melhor, uma
lady. Cumprimentou alguns dos atendentes pelo nome, encostou a
bengala no balcão, tirou pacientemente alguns documentos de dentro
da bolsa envoltos em um saco plástico e os deu ao caixa. As pessoas
atrás de mim iniciaram um burburinho, virei-me e percebi que falavam
dela. Mas como tem velho fazendo o papel de office boy, ainda pude
ouvir. Quase fui traído por um pensamento maldoso, mas sacudi a
cabeça com o intuito de desviar de mim tal pensamento. Comecei a
pensar sobre aquela famosa lei, a de Murphy, e até lembrei-me de
uma, a que diz que a fila do lado sempre anda mais rápida. E
a fila dos idosos estava bem mais rápida, mas ela foi atendida na
minha fila e na minha vez. Preferi não pensar nessa lei de Murphy e
sim naquela dama (lady) Murphy elegante que permiti ser atendida na
minha frente.
Os
comentários maldosos falavam sobre os velhos como se fossem algo
descartável, que se usa e depois se joga fora por inutilidade. O
velho, no caso, aquela senhora idosa, digo aquela lady, estava sendo
alvo, sorrateiramente, de falatórios vãos. Ela, que poderia com
toda a certeza, ser mãe ou avó de alguns que estavam ali na fila,
sem saber, estava sendo criticada como se fosse um objeto usado,
velho e imprestável e não como um ser humano cheio de experiência
e digna de todo respeito e amor. Uma pessoa idosa virou sinônimo de
coisa velha, que todos querem jogar fora, ou arrumar um cantinho para
se colocar e esquecer. Ela apesar de seu corpo parecer não
corresponder com a mesma rapidez os apelos de sua mente, mesmo assim,
sentia-se útil e isso, para ela, era o que mais importava. Podia se
ver pelo seu semblante radioso.
A
alegria de ainda poder servir era notória. Enquanto a observava,
meus pensamentos me mostraram que possivelmente muitos daqueles que
faziam tais comentários, jamais pudessem alcançar a sua idade. Ou
quem sabe, não tenham pessoas idosas em suas famílias, ou se tem,
consideram-nas como velhos, alguém que só atrapalha o bom andamento
das coisas. Ser velho, nessa sociedade moderna parece ser sinal de
retrocesso, de empecilho, de transtorno. O idoso passou a ser alguém
sem valor, mesmo com tanta sabedoria de vida, ainda é considerado
incapaz para muitas pessoas. Lembrei-me dos meus velhos. O mesmo
caminhar em passos lentos, o sorriso contagiante, joias raras que
Deus para si os chamou. Projetei-me nela mais uns vinte ou vinte e
cinco anos talvez, quem sabe trinta ou mais, sorri para mim mesmo,
mas, não gostaria de ser considerado velho no sentido de
imprestável, inútil, empecilho ou coisa do tipo, mas, de alguém
que aplainou a estrada para que os mais jovens pudessem caminhar por
ela.
O meu
desejo foi virar-me e perguntar aos que faziam tais comentários: no
futuro, vocês gostariam de ser considerados velhos ou idosos? Mas me
contive...
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