quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Sabedoria popular

Dizem que não se pode menosprezar a sabedoria dos idosos mesmo que sejam completamente analfabetos porque a experiência de vida que tiveram carregam em seu viver palavras sábias e cheias de realidade. Em certa ocasião, em uma conversa informal com um velho senhor septuagenário pude constatar essa verdade. Conversávamos descontraídos sobre alguns assuntos pessoais, sociais e familiares, quando de repente abordamos o tema fofoca. Por mais incrível que possa parecer, foi onde gastamos mais tempo. É um tema que envolve, mesmo sem querer, pessoas muito próximas entre si gerando desconfiança, intrigas, inveja e que em certos casos suscita a ira, desamor, desavenças, vingança e até mesmo brigas por coisas tão fúteis, sem sentido e por total falta de compreensão e discernimento. Claro que eu sempre soube dessas coisas e que desde que o mundo é mundo, a fofoca está presente no nosso cotidiano. Agora, uma palavra que me deixou perplexo ao ouvi-la, foi quando em sua simplicidade e sabedoria de vida, afirmou sem sombra de dúvida, pelo menos para ele, que hoje em dia, toda a lenha que queima na fogueira da fofoca e que propaga suas labaredas incendiando firmes relacionamentos familiares e sociais, reduzindo-os a cinza, provem das telenovelas. Engoli seco ao ouvir tal afirmação, mas fiquei em silêncio por instantes esperando a explicação para entender a razão dessa afirmação. Pense nisso, ele me disse. Eu não sabia mais o que dizer. Não sabia se concordava ou não com o que ouvia. Não queria concordar e nem discordar do que ele acabara de dizer. Eu precisava de sabedoria para assimilar tal afirmação. Ao mesmo tempo procurei encontrar base sólida ao que ouvira. Ele percebeu a minha perplexidade momentânea e esclareceu com uma pergunta: você assiste novelas? Acreditei que estivesse ai a razão de não entendê-lo. Eu não assisto novelas, respondi. Me senti fora da realidade atual, como um estranho no ninho, um alienígena por não assistir a novelas. Eu também não assisto, respondeu ele para minha alegria. Mas os trechos que eu vejo entre idas e vindas pela casa é muito fácil perceber o conteúdo nefasto que permeia cada episódio novelesco. As intrigas, o adultério, as meias palavras ou recheadas de segundas intenções, as armadilhas para se chegar e conquistar o que se não tem, tudo isso faz parte de qualquer trama. É por isso, que as mulheres, e principalmente as mulheres, enfatizou ele, que são assíduas seguidoras de telenovelas, quando conversam entre si, falam daquilo que estão cheias. A boca fala daquilo que está cheio o coração, completou. É impossível nos encher diuturnamente com essas coisas e não falarmos delas. As conversas hoje em dia contém sempre o nome de uma terceira pessoa envolvida a qual torna-se o centro, a razão e o motivo do assunto e isso tem origem nas telenovelas. Muitas pessoas não conseguem conversar se não for sobre outra pessoa. Se tirar o nome de terceiros da conversa o assunto se esgota em fração de minuto. As pessoas viraram o tema principal na boca de fofoqueiros e fofoqueiras de plantão. Há especialistas nesse assunto e a origem de suas fofocas são principalmente atores e atrizes em suas performances nas novelas através de personagens vilões e circunstâncias que o cercam no viver diário que destoa do virtual. Refleti em segundos e vi a sabedoria popular ser expressa através daquelas palavras. Embora não concordando completamente, não ousei discordar. Nem todos que acompanham as telenovelas são fofoqueiros ou fofoqueiras, pensei, sem expressar meu pensamento. No entanto, percebi que ele não estava de todo equivocado. Embora o sentimento que ele deixava transparecer fosse de indignação com a perda de tempo ao assistir algo que não acrescenta nada de importante ao ser humano, pelo contrário, fomenta ainda mais a luxuria, a ambição, o orgulho, a inveja e consequentemente a fofoca, cabe a cada um refrear sua língua e controlar suas palavras, porque a morte e a vida estão sob seu poder. Conclui, sem esgotar o assunto, que a fofoca é o leva e traz de características, atitudes, fatos verdadeiros ou não que ouvimos e falamos sobre outras pessoas acrescentando ou diminuindo razões, virtudes e qualidades de terceiros. Isso gera um círculo gigantesco, sem começo e sem fim que serve apenas para diminuir os seres humanos entre si. A boca fala daquilo que o coração está cheio, pelo menos isso, segundo disse-me aquele senhor, me deu a certeza que não sou um fofoqueiro na total concepção da palavra. Não estou cheio de novelas, nem cheio de mim mesmo, afinal, em um mundo global, estou cheio de que? Terminamos a conversa e continuo pensando...

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