Em uma madrugada fria o único ruído que se
ouvia era do vento forçando as frestas da janela querendo invadir a penumbra do
nosso quarto. Levantei-me tropeçando em brinquedos espalhados pela casa,
resultado de brincadeiras de crianças na noite anterior. Abri um pouco a
cortina, passei a mão em círculo sobre o vidro para poder observar melhor a
madrugada escura, iluminada apenas por algumas luzes amarelas de lâmpadas
cobertas por uma névoa fina e fria que envolvia o coração daquela madrugada deixando
um cenário apropriado para um filme de terror.
O vento forte sacudia as árvores que teimavam
em permanecerem firmes. Além do vento, nada se ouvia. Não se ouvia barulhos de
carros, nem de motos, nem de jovens nas ruas. Travei a janela, fechei rapidamente
a cortina, e voltei tropeçando nos brinquedos. Observei os adultos que dormiam,
caminhei até o outro quarto para verificar se as crianças estavam cobertas
adequadamente, mas, cadê as crianças?. Despertei como de um pesadelo.
Lembrei-me que na noite anterior, foram dormir
na casa da mãe deles.
Voltei para cama, olhei as horas no celular e
tentei adormecer novamente. Uma sensação de vazio tomou conta do meu ser.
Estava faltando alguma coisa que eu não podia entender. Revirei-me de um lado
para o outro da cama e de repente percebi o que faltava, era as crianças.
Apesar de ser madrugada, se eles estivessem conosco, naquele momento estariam
dormindo, mas como era incrível, que falta eles faziam!! Acordei pela manhã
para trabalhar e como faço todos os dias, fui ao quarto deles para cobri-los,
não os vi, havia me esquecido que eles não estavam. Novamente a sensação de
vazio tomou conta de mim.
Trabalhei o dia inteiro com essa sensação de
que faltava alguma coisa em mim. Sabia que quando eu retornasse, lá estariam
eles novamente correndo pela casa, espalhando brinquedos por todos os lados, o
pai mandando ficar quieto, a avó desesperada preparando o jantar, o banho, tudo
ao mesmo tempo. Era uma confusão mas vinha acompanhada de uma alegria
incomparável. Imaginei toda essa cena na minha cabeça. Quando eu abrisse a
porta, correriam para meus braços e me envolveriam naquela alegria. Era assim
todos os dias. Já na porta do elevador era possível ouvir o corre-corre e a
algazarra que faziam.
Um dia sem abraçá-los, sem beijá-los, fazia
muita diferença para nós. O meu dia havia sido corrido no trabalho. Não liguei
em casa durante aquela tarde. Portanto a minha ansiedade enquanto retornava,
aumentava a cada passo. Em certos dias, queremos ficar sozinhos para ler, descansar,
arrumar alguns papéis, cochilar no sofá, assistir um filme, um programa de
televisão em silêncio, nessas horas é bom não ter crianças por perto. Mesmo
assim a presença deles é mais importante do que tudo isso. Há muito tempo não
sabíamos o que era conviver com crianças em casa, mais de quinze anos. Agora
nos deparávamos com dois anjos levados e cheios de energia, nossos netos.
Enfim, cheguei à porta do elevador, lembrei-me
dos trejeitos de cada um deles e das peraltices que faziam, quando desligavam sem
eu perceber, o meu computador em plena atividade, quando derrubavam suco e
outros alimentos pelo chão sob protesto impaciente da avó, quando não queriam
comer, dormir, tomar banho, ir para escola e não queriam a roupa que era
oferecida, de como gostavam de ouvir repetidas vezes a mesma história e sorri
para mim mesmo enquanto esperava o
elevador chegar. Por alguns segundos, esqueci o cansaço de um dia de trabalho e
voltei a ser criança como eles.
Quando abri a porta do elevador, antes de
entrar em casa, ainda inclinei meus ouvidos esperando ouvir a algazarra
infantil. Ouvi ao fundo apenas um som de televisão. Entrei e não vi as crianças
novamente, apenas a minha flor, sentada, jantando, enfeitando a sala com o seu
lindo sorriso me esperando, assistindo televisão sozinha. Perguntei sobre os
netos ao que ela me respondeu que ficaram na casa da mãe e que por lá ficariam
o restante da semana. Sentei-me ao seu lado e o nosso assunto foi as crianças.
Apesar de todo barulho que fazem, como era ruim ficarmos sem eles. Não
importava quem estivesse em casa, sem eles, a casa era vazia...
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