sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Olha o rapa!

No mundo da sobrevivência e da sub-existência, a luta para se manter entre a sub e a existência tem sido muito acirrada. Homens e mulheres, verdadeiros heróis urbanos, tentam de todas as maneiras possíveis e imagináveis vencer a luta contra as incertezas, contra o medo, contra o preconceito. Lutam de peito aberto pelas esquinas da vida, entrincheirados, acuados e desprotegidos, sendo quase sempre, atacados de surpresa por inimigos truculentos, organizados, preparados para o ataque repentino. Em uma luta cruel armados apenas de paz, coragem e força, disparam esperança àqueles que se solidarizam por suas causas.
Caçados a exaustão por feras comandadas por generais em seus “bunkers”, os camelôs são encurralados em becos, esquinas, ruas sem saída, aliás, saída é o que eles procuram, uma saída para a vida. Diariamente vão e voltam arrastados implorando com lágrimas, as migalhas que caem pelo caminho, afim de poderem trazer o pão para suas mesas. Diante de algumas cenas de barbárie, muitas vezes são humilhados, considerados escória da sociedade, que indefesa como eles, assiste sob olhares indignados as atrocidades e a violência como são repreendidos.
Sobreviver é a meta da maioria deles. Ainda que seja uma simples busca por um pouco de oxigênio para manter acesa a chama da esperança, do fôlego de vida, da razão de viver é que faz deles verdadeiros super-heróis anônimos. Enquanto se escondem, fogem daqui, correm dali, recolhem as sobras do pouco que lhes restam, as verdadeiras raposas em seus covis observam em seus “bunkers” sob ar condicionado o sofrimento dos descamisados. Enquanto o turbilhão não se acalma, vão comendo os asmos da injustiça e as raposas engravatadas estão se “lixando” com o que pensam, o que falam e como sobrevivem os pobres dessa nação.
Muitas vezes, quantos de nós já reclamamos, ou até mesmo ficamos no prejuízo ao adquirir algo de um deles sem saber a procedência e por essa razão fazemos um julgamento sem misericórdia incluindo tudo e todos na mesma sentença, nenhum presta. Se estão vendendo isso ou aquilo, é porque são folgados e não gostam de trabalhar, concluímos. Não sabemos da dor que é para cada um desses cidadãos, com algumas ou com muitas exceções é claro, levar a sobrevivência para os seus filhos.
Começando pela madrugada avançam pelas manhãs, atravessam desertos de dias escaldantes outros frios, se debaixo de chuva fina ou torrenciais, com saúde ou em busca dela se com fome ou procurando saciá-la, vivem a expectativa de supostos direitos e na promessa de um lugar ao sol. Mas e a apreensão por um grito a qualquer momento os fazem viver sob tensão. Ganhar dinheiro honestamente é muito difícil. É preciso muito suor, muitas lágrimas e muita perseverança, mas ao final, é algo gratificante. Poder dormir com a consciência tranquila não tem preço. Poder olhar os filhos e esperar que eles o tenham como modelo, não tem preço.
Alguns dias atrás, vi um desses cidadãos que não ouviu o grito de alerta e sem que percebesse, foi-lhe subtraido os seus pertences. Como uma presa acuado por seu predador, como palha levada pelo vento, não sabia o que fazer diante de tamanha surpresa. Debatia-se como um peixe fisgado por um anzol ao retirá-lo das águas, mas de nada adiantava a sua força e seu clamor não era ouvido por seus algozes. Assistíamos indignados aquela cena. Era a luta do cordeiro contra o leão. Eram gritos de clemência e de desespero que retiniam sem palavras aos ouvidos insensíveis de truculentos soldados impiedosos.
As lágrimas se misturavam com as sobras que caiam pelo caminho, que ele como um cão que anseia por migalhas da mesa do seu dono, ia recolhendo seguindo aqueles soldados.
Como se tivesse com suas entranhas expostas ao rídiculo e sofrendo a dor do descalabro, um fio de esperança brotava. Era possível recuperar suas mercadorias. Essa era a rotina. Todos os dias ele ali estava, perseguido, porém não desamparado, abatido, porém não destruído.
Mas precisava ter um ouvido mais atento, de erudito, para no primeiro momento que ouvisse o grito de: olha o rapa!...sair correndo...


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