Seis horas da manhã. Sou despertado pelo som estridente do celular, ou de, mais
alto ainda, um rádio relógio que se eu não interrompê-lo rapidamente, é capaz
de acordar todos os que dormem ao meu lado e até os vizinhos. No silêncio da
manhã me levanto ouvindo o som de um sono profundo da mulher, dos filhos e dos
netos, que fico desencorajado de emitir outro tipo qualquer de som diferente
para não acordá-los. O som de gavetas de armário a procura de roupas, o som de
torneira, de chuveiro, o som do micro-ondas, tudo faço no maior silencio para
não despertá-los. Mas os sons externos fogem ao nosso controle.
O som dos motores de ônibus que pela manhã, os
motoristas deixam aquecendo cinco, dez, quinze minutos ou mais, sem contar as
conversas e gargalhadas que dão, que parecem estar em um show de comédia. O
silencio da manhã faz o som externo se avultar. Sem falar nos motoqueiros com
suas motos descalibradas, escapamentos abertos, que passam fazendo um ruído
ensurdecedor sem se importarem se a área é residencial ou não. E a qualquer
momento soltam estampidos de suas motos que parecem tiros assustando moradores
já assustados. Motoristas que buzinam chamando as crianças do condomínio para a
escola. Cachorros latindo sem parar. Tudo isso já pela manhã vai tirando a
tranquilidade da cidade.
Despertamos de um sono profundo e tranquilo e
imediatamente mergulhamos no caos da cidade grande onde a neurose já nos
espreita na porta do elevador. É preciso se acostumar com o som de muito
“barulho” durante o dia inteiro. O som se perde entre o barulho da cidade. Som
de buzinas de automóveis, cada uma mais potente e estranha do que a outra, que
com seus motoristas alucinados, buzinam para tudo e para todos, alguns até
provocam outros com buzinadas frenéticas pedindo passagem, tentando com isso
ganhar alguns minutos no dia, mas correndo grande risco de perder uma vida nos
poucos minutos que conseguem. O som do trânsito nos enlouquece, alucina, nos
rouba a paz. Buzinas, freadas, apitos, gritos. O som que ouvimos diariamente é
proporcional a cidade.
Som de sirenes, quer de ambulâncias que rompem
o silêncio da cidade com alguém gritando em desespero esperando por ajuda, quer
de viaturas de policias, que eles, os policiais, em desespero procuram ladrões
e bandidos, quer sejam de bombeiros que desesperados, tentam de qualquer
maneira chegar ao lugar de acidente, do incêndio e qualquer outro tipo de
socorro. Som de helicópteros que cruzam o céu da cidade, congestionando muitas
vezes os ares, voando baixo, quer em serviço, quer em socorro de alguém, quer a
procura de marginais, enfim, o fato é que o som da cidade nos causa desespero.
O som de tiros, da violência, o som de ambulantes, som de pedintes, som das
lágrimas. O som das ruas nos ensurdece.
Colocamos som dentro dos nossos ouvidos para
não ouvir o som da cidade, e ouvir o som que queremos, mas deixamos de ouvir o
som da simplicidade, da inocência, da pureza, da beleza, som da chuva lavando a
alma da cidade, o som de um sorriso infantil. O som da cidade nos deixa surdos
e nos faz gritar para que outros nos ouçam. O som da cidade invadiu as matas,
as florestas, o campo. Não ouvimos mais o som dos passarinhos nas praças, dos
galos cantando nos quintais das casas, das crianças correndo atrás dos pombos,
da bola ou apenas brincando sorrindo. Quando ouvimos o som das crianças se
divertindo, confundimos com barulho e logo as mandamos parar, se aquietarem.
Não ouvimos mais o som dos sinos nas igrejas
que entoavam melodias celestiais convidando os fiéis. Não ouvimos mais a voz do
nosso coração, da nossa consciência, das nossas orações. Aquela música suave
hoje é heavy metal, é techno, é rave, som que faz girar, que leva jovens
quebrar a barreira do som, viajar, ir além da imaginação. É o som da loucura,
da irreverência que em muitas vezes termina com o silêncio da morte. Vida sem
som. O som se misturou ao barulho. Som de guerras, bombas, som da discórdia.
Não ouvimos mais o som do vento, agora o seu som é violento, em forma de
furacão ou tornado, o som do mar quebrando suas ondas na praia se tornou em
fúria de um mar bravio querendo invadir a praia com seus tsunamis, o som da
natureza agora é um clamor e não a ouvimos.
Mas nessa época do ano ainda é possível ouvir
um clarim ao longe de anjos tocando o som do silêncio para uma reflexão,
tocando o som da paz, do amor, do perdão entre os homens. É possível ouvi-los
tocando harmoniosamente o som da vida, da esperança, canção igual nunca haverá.
Portanto quem ainda tiver ouvidos para ouvir, que ouça...o som do amanhã, hoje.
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